Jornal Estado de Minas

Taxa de congestionamento do TRF da 1ª Região é de 87%

Grande maioria de processos de Minas justifica urgência na instalação de um órgão no estado

Daniel Camargos

Em menos de um ano Minas Gerais será responsável por mais da metade dos processos em tramitação no Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1). Hoje responde por 39,4%. Na avaliação do juiz federal da 3ª Vara, Ricardo Machado Rabelo, o aumento provocará uma espera ainda maior pelos julgamentos dos recursos, que em muitos casos já passa de 10 anos. A situação explicita a urgência da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 544, que altera a estrutura dos tribunais regionais federais, elevando o número de cinco para nove. Minas Gerais compõe, com outros 12 estados mais o Distrito Federal, a maior das cinco regiões do TRF.

Rabelo, que já foi presidente da Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais (Ajufemg), atribui o crescimento à interiorização. Até 2014, vão ser criadas 25 varas em 11 cidades mineiras: Téofilo Otoni, Paracatu, Unaí, Contagem, Manhuaçu, Muriaé, Ituiutaba, Ponte Nova, Viçosa, Janaúba e Poços de Caldas. Ao todo serão 83 varas. Se não for votada este ano, a PEC pode completar uma década de tramitação em maio do ano que vem. Enquanto isso, milhares de pessoas são vítimas da letargia do judiciário.

Uma dessas é a moradora do Bairro Mantiqueira, na Região de Venda Nova, Terezinha Eustáquia Matoso. Ela não tem esperança de conseguir o dinheiro retroativo ao tempo que ficou sem receber a aposentadoria do marido. “Quando meu marido morreu deixou uma dívida com o INSS e só passei a receber a pensão depois que paguei, em 2000”, explica Terezinha, que ficou viúva em 1992. Desde 2002 ela espera a decisão do recurso da Previdência, que se nega a pagar o retroativo e a correção dos valores, após ter a sentença deferida na primeira instância. O valor da pensão que recebe foi baseada na contribuição de um salário mínimo, sendo que o marido dela chegou a pagar a contribuição sobre 10 salários. “Acredito que quando sair não vou estar viva mais”, lamenta Terezinha, de 64 anos. Ela tem consciência de que o desejo dela é um direito. “Não estou pedindo nada de ninguém”, afirma.

A aprovação da PEC, na análise do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Luiz Cláudio Chaves, é “uma necessidade premente”. Segundo Chaves, a grande desculpa para não aprovar a PEC é financeira, pois geraria gastos. Porém, ele lembra que o governo de Minas cedeu os direitos de uso do antigo prédio do Tribunal de Alçada, na Avenida Francisco Sales para a nova sede. Chaves argumenta ainda que Justiça Federal é superavitária, gerando mais recursos que gastos.

O presidente da sessão mineira da OAB informa sobre o projeto de construção de outro prédio para o TRF1, em Brasília, orçado em R$ 600 milhões, com R$ 50 milhões previstos para serem gastos no ano que vem. “Sem o apoio da presidente Dilma Rousseff será muito difícil. Pois tudo hoje é votado com acordo das lideranças”, teme Chaves.

Compromisso

O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), se comprometeu com a bancada mineira de 53 deputados federais e três senadores a votar a PEC ainda este ano. O acerto é de que a votação será feita numa quarta-feira em que a pauta estiver destrancada, informam os deputados. Outra combinação é de que o próprio apresente uma emenda excluindo da PEC o trecho que impõe um período para a implantação dos tribunais de seis meses, após a aprovação, uma urgência que desagradava ao governo federal.

Os parlamentares garantem haver mobilização dos líderes também dos outros estados envolvidos, o que contribui para a votação. A pressão pela criação dos tribunais ocorre no Norte do país, com deputados da região pedindo seguidamente, em diversas oportunidades neste ano, que a PEC entrasse na ordem do dia para votação na Câmara. O mesmo acontece com deputados paranaenses, que articulam com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, a criação dos tribunais.

 

Demorar sete anos é normal

Estudo da Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais (Ajufemg) revela um imenso gargalo entre a primeira instância, sediada nos estados, e a segunda instância, em Brasília. Desde 1989, a primeira instância cresceu 470%, presente em 214 municípios. Até 2014 chegará a 273 cidades, o que representará um crescimento de 606%. Entre 1989 e 2010, a segunda instância continuou com os cinco tribunais e o número de desembargadores cresceu 89%, passando de 74 para 139 desembargadores.

O quadro é mais grave na primeira região, que engloba Minas Gerais. De acordo com relatório de inspeção conjunta realizada pelo Conselho Nacional de Justiça e Corregedoria-Geral da Justiça Federal, o atraso é endêmico, sendo normal que a tramitação dure até sete anos. Enquanto a taxa média de congestionamento de todos os TRFs é de 67,1%, a do TRF1 é de 87,2%. Um dos estados mais prejudicados é Minas Gerais. A Justiça Federal em Minas é superada apenas pelas dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, se considerado o volume de processo em tramitação.

O juiz federal da 3ª Vara, Ricardo Machado Rabelo, explica que a aprovação da PEC não vai criar despesas, pois os tribunais serão criados com leis ordinárias, que serão aprovadas aos poucos. Além disso, o juiz ressalta que a criação dos tribunais não pode ser olhada apenas pela despesa, pois a justiça tem um aspecto humanitário. “Há uma visão míope e, em vez de criar tribunais, prefere-se expandi-los, apenas aumentando o número de funcionários”, afirma Ricardo.

O advogado Lásaro Cândido da Cunha, doutor em direito constitucional e com dezenas de causas previdenciárias que aguardam julgamento dos recursos no TRF1, em Brasília, ressalta que a atual formatação retira um item muito importante do tribunal: a relação com a comunidade. “O TRF julga questões ordinárias e ficando distante da comunidade propicia desajustes. É um tribunal sem alma, falta identidade dos juízes com as pessoas que movem as ações”, entende Cunha. O problema, segundo Cunha, que já foi ouvidor geral da OAB-MG, surgiu na Constituição de 1988, quando o estado deixou de ser um polo de representação.

O caso é tão grave, relata Cunha, que há pouco tempo enviou um advogado até Brasília para levantar os processos que aguardavam julgamento e ficou assustado com algumas mensagens. “Uma desembargadora pregou um cartaz na porta do gabinete dizendo que a prioridade é para pessoas com mais de 80 anos”, revela Cunha.