Jornal Estado de Minas

Itamar Franco, o presidente que derrubou a inflação

Marcelo da Fonseca

- Foto: DA Press
Se o Brasil vive hoje um momento de estabilidade econômica, com índices positivos em geração de empregos e poucas oscilações nos indicadores econômicos, há pouco menos de 20 anos a situação era bem diferente. Problemas como descontrole inflacionário, rombos fiscais, parque industrial defasado e sucateado, altos índices de desemprego e a especulação desenfreada se acumularam ao longo dos governos anteriores, com sucessivos fracassos nos anos 1980, período conhecido na história brasileira como “a década perdida”. Era este cenário – uma lembrança distante e pouco conhecida para os mais jovens – que aguardava Itamar Franco ao assumir a Presidência da República em 1992.

O primeiro passo para as mudanças no rumo da economia – apontado por muitos especialistas como divisor de águas para o desenvolvimento do Brasil – foi dado durante o governo do mineiro, com a implantação, em 1994, e consolidação do Plano Real. O processo de difícil execução pretendia revisar as medidas adotadas anteriormente, que acabavam sempre em fracassos e sem conseguir atingir as metas de reestruturação para o setor. A economia foi prioridade para as reformas desde o período em que Itamar assumiu a Presidência interinamente e anunciou que “o governo desceria ao áspero solo da realidade” para mudar a noção de modernidade “criminosa e cruel que negava ao povo a dignidade do pão, do alfabeto, do trabalho honrado, da saúde e da alegria”. Tucanos, petistas, conservadores, liberais, da esquerda ou da direita, deixam de lado as ideologias partidárias ao avaliar a importância do governo de Itamar Franco para o país.

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Para colocar em prática as novas propostas para a economia brasileira, foi escalada uma equipe de economistas, com o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, no comando, para trabalhar na elaboração de um plano que finalmente conseguisse resolver a questão da inflação. No grupo estavam presentes nomes de peso da economia nacional, como Pedro Malan, Winston Fritsch, Gustavo Franco e Pérsio Arida, que eram acompanhados de perto pelo então presidente. As medidas do Plano de Estabilização Econômica receberam críticas da oposição e foram vistas com desconfiança por especialistas. Até mesmo parlamentares da base governista viram com receio as mudanças propostas. Apesar das críticas, em agosto de 1993 foi lançado o Cruzeiro Real com o aval de Itamar, para revisar os valores da moeda brasileira. Os resultados não vieram inicialmente, mas as mudanças continuaram a ser postas em prática.

Em 1º março de 1994, entrou em vigor a Unidade Real de Valor (URV), usada na conversão de valores para a nova moeda que seria implantada. A manobra recebeu críticas e gerou momentos de grande tensão entre os integrantes da equipe econômica, mas foi novamente sustentada pelo governo. Quatro meses depois foi lançado oficialmente o Plano Real, que trocou a base monetária do Brasil – CR$ 2.750 para cada R$ 1 – determinando a paridade com o dólar e deixando de lado as soluções já provadas insuficientes para solucionar a inflação.

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Dessa vez, os resultados não demoraram a aparecer, com vertiginosa queda na inflação em poucas semanas e reduções nos preços do mercado. A dívida externa continuou a ser negociada, com sucessivas reuniões com representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e outros credores internacionais para reforçar a confiança no governo brasileiro e manter as relações com o país. Hoje, 17 anos depois de sua implantação, o plano é considerado o mais eficiente para a estabilização econômica e recebe elogios de todas as alas e lideranças políticas.

Desafio da desconfiança Além dos fracassos da herança econômica acumulados nas administrações anteriores, Itamar assumiu a Presidência enfrentando a desconfiança da sociedade. Decepcionados com as medidas adotadas pelo antecessor Fernando Collor de Mello, vários setores da sociedade criticaram os nomes escolhidos para assumir os ministérios do governo. Nomes de seu círculo pessoal em Minas Gerais, como de Paulo Haddad, que assumiu o Ministério do Planejamento, de Murílio Hingel, na Educação, e de Henrique Hargreaves, para a Casa Civil, foram questionados por não fazer parte das listas mais conhecidas do cenário nacional. No entanto se mostraram eficazes para escancarar o novo caráter político dado ao governo, reforçando a administração do Estado com integrantes de confiança do presidente, e passaram a ser bem recebidos pela população.

Convidado por Collor para participar da chapa que concorreria nas primeiras eleições diretas depois da redemocratização, Itamar foi escolhido pelo reconhecimento como homem público de imagem limpa, sem envolvimentos em escândalos ou acusações de corrupção. No entanto, logo depois da posse de Collor, o então vice-presidente foi se afastando do governo, sem concordar com as medidas adotadas. Em julho de 1991, ele criticou publicamente a privatização da Usiminas, alertando para os prejuízos que a operação causaria para seu estado, e afirmou que o programa de privatização do governo enfraqueceria o país e deveria ser revisto. Também como vice-presidente, Itamar bateu de frente com Collor ao defender uma política salarial que protegesse os setores mais pobres da sociedade, proposta que contrariava a teoria de livre negociação adotada pelo governo.

Em um curto período de tempo – de 2 outubro de 1992 até dezembro de 1994 – o governo de Itamar Franco deixou como saldo uma economia nacional estabilizada, com a redução significativa da inflação, que perdurava por mais de três décadas, e uma nova perspectiva para os brasileiros encararem a política. A busca pelo meio-termo nas decisões aparecia sempre em suas críticas às medidas extremas, como ao analisar o modelo de privatização de seu antecessor: “Se o Estado não servir para promover a paz, a justiça e o bem-estar entre os homens, para que servirá?”.