Jornal Estado de Minas

ESPECIAL FERNANDO SABINO/100 ANOS

Fernando Sabino, a voz de uma geração


“Não faça biscoitos, faça pirâmides”, foi o que Fernando Sabino ouviu certa vez de Guimarães Rosa, quando respondeu a ele o que estava escrevendo. Tentava, naquele momento, escrever uma peça de teatro. A sugestão do autor de “Grande sertão: Veredas” o deixou com a pulga atrás da orelha. 





“Ora, biscoiteiro foi o Voltaire, o Machado de Assis, o Jorge Luis Borges. O próprio Hemingway andou fazendo sucesso com uma novelinha chamada ‘O velho e o mar’; chegou a ganhar até o Prêmio Nobel. Ninguém é obrigado a ser Tólstoi nesta vida”, afirmou Sabino em entrevista à “Playboy” em julho de 1987.

 O ano de 1956 foi notável para a literatura brasileira. “O encontro marcado”, de Sabino, “Grande sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, “Morte e vida severina”, de João Cabral de Melo Neto, “Contos do imigrante”, de Samuel Rawet, todos foram publicados no período. “É um ano excepcional, que nunca mais se repetiu na literatura”, atesta o professor e escritor Wander Melo Miranda.

A frase de Melo Miranda cai como uma luva em relação ao que Sabino sentiu na pele ao se consagrar com o primeiro romance. "Fiquei aflito, feito aquele sujeito que procura no mundo inteiro um fruto sem saber que ele dá, justamente, na árvore do seu quintal. Era uma angústia. Parecia o mito de Sísifo, subir o morro para descer e subir outra vez, carregando aquela pedra...", disse na supracitada entrevista sobre o hiato entre o romance inicial e o segundo.




 
 

Somente 23 anos depois de "O encontro marcado" ele publicou "O grande mentecapto", que acompanha as desventuras de Geraldo Viramundo, um mineiro quixotesco que desde a infância tem que se virar para sobreviver.
 
 
Sabino escreveu "O encontro marcado" ao longo de dois anos – 1954 e 1956. Tinha 33 quando concluiu o romance de formação, com tintas autobiográficas, centrado na figura de Eduardo Marciano, que passa infância e adolescência em Belo Horizonte. Na vida adulta, já casado, vive no Rio de Janeiro. Sua busca existencial tem dois companheiros constantes, os melhores amigos Hugo e Mauro.

Então um calouro de 20 anos de Letras Neolatinas da UFMG, o escritor, professor e crítico Silviano Santiago afirma que o lançamento do romance de Sabino teve um impacto muito maior do que o de Guimarães Rosa para ele e sua geração. 





"Foi um choque. Era um romance de formação que estava muito mais próximo da experiência que eu estava vivendo do que a de Rosa, que é uma obra prima. Mas, naquele momento (o universo rosiano), era um pouco distante", diz Santiago. 

"Mal comparando", Melo Miranda vê "O encontro marcado" como uma espécie de "O apanhador no campo de centeio" (J.D. Salinger) brasileiro.
 
"Se não o melhor, é um dos melhores romances de formação da literatura brasileira. É extremamente bem escrito e bem argumentado, um romance meio existencialista atravessado por 'A náusea', de Sartre. E envelheceu bem. É tão verdadeira a história de formação daquele grupo de amigos que ela serve de motivo de ação para as gerações que vieram depois."

A barra do salto

Quando da morte de Sabino, Santiago escreveu a análise "O perseguidor", publicada em 13 de outubro de 2004 na "Folha de S. Paulo". "Ele foi um bom romancista. A crítica que eu faria, e que pode acontecer com qualquer ser humano, é que ele levantou muito alto a barra do salto em altura (no romance de estreia). Daí eu usar a palavra perseguidor em vez de realizador do grande romance brasileiro. Ele perseguiu, com todas as forças e dedicação, ser um grande romancista. Mas, na hora do salto em altura, a vara (ou o corpo) fraquejou."

Observação semelhante Sabino ouviu de Mário de Andrade, que considerava a novela “A marca” (1944), o primeiro livro do mineiro, a estreia madura de um escritor jovem. Andrade advertiu Sabino que o êxito de “A marca” poderia comprometer sua produção futura.