Jornal Estado de Minas

PENSAR

Carpinejar: 'No luto não dói apenas o passado, mas futuro que não ocorreu'

 
Fabrício Carpinejar
Especial para o EM  

No luto, ninguém aguenta sua tristeza, a sua falta de vontade. Nem passou um mês da perda e os amigos já querem que você saia. Já querem que você converse animadamente. Já querem o seu riso de volta. Não entendem o processo. Não respeitam a solidão.




 
O que mais você escuta é que deve seguir adiante. Para onde? Se os olhos estão voltados para o passado, para a saudade, para entender o que aconteceu. Não tem como tratar a morte de um ente querido, como se fosse um simples aborrecimento.
 
Nossa vida não é mais a mesma, não tem como seguir como era antes. Quando morre quem você ama, quem você era morre junto. Você já é uma outra pessoa. Nem você mais se conhece. 

No luto, você vê que é uma mentira social que as pessoas se habituam com a dor. Pois você sofre cada vez mais de saudade. O sofrimento de um mês da perda não muda depois de cinco anos, aliás só aumenta, pois você vai percebendo que a falta do ente querido é irreversível.




 
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A memória de tudo o que foi feito junto se mistura à fantasia do que poderia ter acontecido. São aniversários imaginados, comemorados sem torta, com flores, no cemitério.
 
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Você cuida do canteiro estreito de uma lápide por não poder mais cuidar da extensão infinita de uma vida. No luto não dói somente o passado, mas o futuro que não ocorreu.



“Manual do luto”
• De Fabrício Carpinejar 
• Bertrand Brasil
• 144 páginas
• R$ 49,90

“A morte desconstrói as nossas crenças, as nossas certezas, as nossas convicções. Você deixou de existir para alguém. E essa pessoa continua cada vez mais viva dentro de você.” Após o sucesso de “Depois é nunca” - em que explicou que o luto não é uma doença e que dura a vida inteira, com mais de 60 mil exemplares vendidos – o gaúcho Fabrício Carpinejar vai além no recém-lançado “Manual do luto”: retrata o sofrimento da saudade. Falando diretamente ao enlutado, cada capítulo é uma carta, e cada carta, uma lição de empatia. É assim que Carpinejar aborda as dores que decorrem das inevitáveis perdas que atravessam a existência: dos pais, de um amigo, de um irmão, de um filho, de um marido ou esposa. Compara o luto a um trabalho incansável de poda da memória, de faxina existencial, em que toda despedida seria o equivalente a herdar um terreno para construir uma casa no local. “Não há nada lá depois, só mato e entulhos”, ele conclui.