Jornal Estado de Minas

CINEMA

Mostra de Cinema de Ouro Preto: memórias entre diferentes tempos


Os tempos históricos podem ser cronológicos, mas não são lineares e compartimentados, respeitando as datas e os períodos como se fossem prazos. Há pontos de contato e abismos entre tempos históricos menos ou mais distantes na linha dos anos. Podemos vislumbrar aproximações relativas e diferenciações explícitas entre o contexto de sociedade e de audiovisual nos anos 90, após o fim do regime militar e muitas decepções, sem nenhum presidente eleito terminar seus mandatos entre 85 e 95, e os anos mais recentes no século 21, com sua encruzilhada movediça na política cultural e social de um modo amplo. Aproximações e diferenciações são nossas guias nesse percurso.





Referem-se umas e outras tanto aos modos de produção e de legislação quanto aos modos de realização e de organização dos filmes nos dois períodos, assim como às eleições dos temas, universos e personagens, às formas de abordagens e de estilos, expondo ao mesmo tempo algumas continuidades reformadas e algumas distinções marcantes, evidenciando que, desde o marco histórico do fim da Embrafilme e das eleições presidenciais indiretas, já se passaram mais de 30 anos, muitos governos completos e uma quantidade inimaginável de imagens.

Nossa proposta de reflexão contemporânea para a 16ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto a partir da década de 90 é guiada pela constatação de que, depois de mais de 30 anos do fim da Embrafilme e da eleição do primeiro presidente eleito por voto direto após o fim do regime militar, em 1985 (Fernando Collor), encontramos entre 1990 e 2021 muitas camadas de país e do cinema, agora reposicionadas, mas ali semeadas como espécie de gênese dos anos seguintes

Pode-se mesmo enxergar com alguma clareza não apenas camadas, mas fases distintas, seja entre 1990 e 1994, que lida com a terra arrasada e precisa arar de novo o terreno, tanto na democracia quanto no cinema, seja entre 1995 e 1998, considerado os anos mais entusiasmados da chamada Retomada e primeira gestão de Fernando Henrique a reboque da moeda forte do Plano Real. E podemos ainda olhar de outro modo para o período entre 1998 e 2002, segunda gestão de FHC, com suas crises, estagnações, retrocessos e necessidade de mudanças na política, na economia e no cinema, fechando um ciclo com a criação de Ancine, em 2001, e eleição de Lula em 2002.





É uma década de transição, cultural e política, mas também de reproposições. Em um mundo globalizado e de três governos brasileiros com uma agenda interna menos ou mais neoliberal, que na cultura procura transferir para as empresas – em troca de abatimentos fiscais, marketing e possibilidade de lucro financeiro direto – as decisões sobre investimentos em cultura e a questão da identidade nacional, mais associada às discussões dos anos 50 e 60, são recolocadas nas discussões em termos paradoxais.


Se houve um cinema brasileiro na década que procurou celebrar essa identidade, uma parte mais expressiva procurou nela um sinal negativo a partir de uma perda de autoestima e de consenso sobre o que é o brasileiro do cinema feito no país. Parte dessa produção, mais cara ou não, mais popular ou não, olhou para trás. Para anos atrás, décadas atrás, séculos atrás. 

Se em parte dessas produções filmar situações do passado era forma de ampliar orçamento, por conta das reconstituições de época, em outro conjunto de filmes, olhar no retrovisor era a forma de entender os descaminhos do presente nessa reintrodução da democracia e dos investimentos em cinema. Não foram anos dourados para o cinema e para o país e nada aconteceu da noite para o dia, nem o fim da Embrafilme, sequer a retomada do campo cinematográfico, hoje, em 2021, novamente colocado em crise em sua relação com o Estado.





O público que acompanhar a programação da 16ª CineOP, de 23 a 28 de junho, vai poder conferir alguns dos filmes da temática histórica que vão ilustrar esse recorte, casos de “Carlota Joaquina, princesa do Brazil” (Carla Camuratti, 1995), “Lamarca” (Sérgio Rezende, 1994), “Carmen Miranda: Bananas is my business” (Helena Solberg, 1995) e “Baile perfumado” (Paulo Caldas e Lírio Ferreira, 1997), entre outros. 

Mais informações estão no site do evento.

Cleber Eduardo e Francis Vogner dos Reis são curadores da temática histórica da Mostra de Cinema de Ouro Preto

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