Jornal Estado de Minas

BIOGRAFIA

Da violência à diplomacia, nova biografia retrata Alexandre, O Grande

“O objetivo fundamental da vida humana é o conhecimento e, portanto, a mais meritória de todas as metas é buscá-lo. Alexandre aprendeu desde cedo que questionar o objetivo ou a utilidade do conhecimento era um absurdo lógico. O conhecimento é bom em si mesmo.”


Esse foi um dos principais ensinamentos do filósofo grego Aristóteles (discípulo de Platão, o mais influente da Grécia Antiga), como mestre em pessoa, ao garoto Alexandre, herdeiro do trono da antiga Macedônia, em 340 a.C. O velho sábio ensinava também que a honra é o maior bem humano. Um homem dotado do que ele chamava de “grande alma” devia  conquistar a honra ao longo de toda a vida, mas ela poderia ser obtida apenas em competição com os outros.

O jovem discípulo também entendeu que o êxito numa competição era o único caminho para a felicidade. A felicidade, entretanto, não vinha dos deuses, era somente para as pessoas que buscavam o conhecimento e, acima de tudo, a excelência. Mas a excelência exigia coragem, qualidade que significava viver com perspicaz compreensão do perigo diante da morte.

A morte, porém, não devia ser temida, pois o mais nobre resultado possível de uma vida de excelência era morrer enfrentando corajosamente o perigo. Entretanto, “a primeira forma de coragem era política, isto é, a coragem de uma pessoa que operava como parte de uma comunidade social, não como indivíduo isolado”, pregava Aristóteles.



Essa lógica ancestral, em princípio dialética, moldou a vida de Alexandre, que desde menino foi instruído na diversificada literatura grega, nas peças trágicas, cômicas, ensaios filosóficos sobre a natureza do mundo e poemas louvando vitórias na guerra, nos esportes e na política. E a base de tudo eram as narrativas sobre heróis e deuses, consideradas registros históricos, não ficção. A vida dependia, em última instância, dos planos dos deuses.

Foi guiado por eles e por Aristóteles que Alexandre, que nunca perdeu uma batalha, formou o mais poderoso e vasto império até então conhecido, em 330 a.C., que se estendia da Grécia subindo até a Báctria (atual Afeganistão), descia para o Egito e a Pérsia (atual Irã) e chegava à Índia, quando o Império Romano ainda era um embrião.

POVOS SEMPRE
EM GUERRA

A mitologia e a filosofia gregas e guerras intermináveis dão o tom da biografia Alexandre, o Grande – A história de uma vida antiga (Alexander the Great – The story of an ancient life), dos professores Thomas R. Martin, do Departamento de Letras Clássicas do College of the Holy Cross, em Worcester, Massachusetts (EUA), e Christopher W. Blackwell, do Departamento de Letras Clássicas da Universidade Furman, em Greeville, Carolina do Sul (EUA).


Ambos são autores de várias outras obras sobre história greco-romana e basearam a biografia do rei macedônio nos relatos dos historiadores da Antiguidade Plutarco, Arriano, Cúrcio, Diodoro e Justino.

Nesta nova biografia de um dos personagens mais fascinantes e controversos da história, que acaba de chegar ao mercado brasileiro, os dois professores alertam logo no prefácio para o anacronismo. Alexandre deve ser visto no seu tempo, há 2.300 anos, conforme os valores da época, e não aos olhos de hoje, quando pode ser julgado de forma equivocada apenas como genocida patológico.

E é fácil entender essa lógica. Alexandre 3º, que viria a ser O Grande, nasceu em 356 a.C., na cidade de Pela, na Macedônia, região de planícies, montanhas e rios entre a Grécia e os Bálcãs, numa família real, filho da nobre Olímpia – considerada descendente de Aquiles, o herói de Troia eternizado por Homero na Ilíada. Ela era uma das mulheres do pai do menino, o poderoso rei Felipe da Macedônia – por sua vez, tido como descendente de Héracles (Hércules para os romanos), o ser humano mais famoso do mundo grego por suas vitórias sobre monstros e deuses, ele mesmo tornado deus.

“No mundo de Alexandre, a guerra era normal para defender o lar, a terra natal, acumular conquistas e riquezas tomadas dos outros. A frequência da guerra refletia pressupostos fundamentais sobre natureza da existência humana. Um deles era de que indivíduos e povos não tinham direito igual a status, poder e propriedade. Todos tinham uma posição superior, igual ou inferior à dos demais”, lembram os autores.



O poder e as riquezas eram adquiridos por meio de invasões frequentes. E a ameaça mais próxima da Macedônia era Atenas, ainda uma poderosa cidade-Estado, famosa por suas belas arquitetura e literatura e para quem os vizinhos eram bárbaros. Felipe, entretanto, transformara a Macedônia numa potência maior e logo invadiria e dominaria Atenas e toda a região.

Para manter seu poder, entretanto, precisava continuamente obter apoio de outros chefes que dominavam aquela parte da Europa e que se consideravam socialmente iguais à família real e dispunham de fortes exércitos para segui-lo nas batalhas.

O MENINO QUE
DOMOU BUCÉFALO

Foi no ambiente de divindades e heroísmo que Alexandre cresceu. Para ele, a literatura revelava princípios norteadores da vida, normalmente competitivos e violentos. E todas as conquistas precisavam ser cantadas, narradas ou escritas, como os famosos poemas de Píndaro, escrito em Tebas, outra cidade-Estado, e que conheceu desde cedo.


“Os deuses eram assustadores e perigosos e as pessoas oravam para eles, sacrificavam animais em homenagem a eles. Mas eles também eram fontes de grandes bênçãos como saúde, filhos, vitórias e vinho”, citam os professores.

Conquistas precisavam de armas. Como os outros meninos, Alexandre foi treinado desde cedo para ser guerreiro. Um guerreiro especial, para suceder ao pai, o rei Felipe. Ele começou a treinar para guerras com armas mais curtas e leves da infantaria, como facas e espadas. “O filho de um rei estava sob pressão o tempo todo para ser o melhor em tudo”, diz a biografia.

O menino precocemente intelectualizado, educado na cultura de deuses e heróis da literatura, precisava também provar sua excelência nas lutas. Era bom com a força, mas também em dedução e julgamento baseados em estreita observação. Plutarco conta uma história curiosa. Um comerciante da Tessália levou um cavalo magnífico e caro, chamado Bucéfalo, para o rei Felipe inspecionar. 



O animal, porém, se mostrou indomável e o rei mandou abatê-lo, mas o adolescente Alexandre chamou o pai e seus homens de velhos amedrontados e se propôs a dominar e montar Bucéfalo. Felipe fez, então, uma aposta. Se Alexandre vencesse, ficaria com o cavalo; se perdesse, teria de pagar 13 talentos de pratas, uma fortuna para a época.

“Alexandre observara que o animal selvagem estava agitado porque se esquivava da própria sombra. Virando-o de frente para o sol, com a sombra agora escondida atrás dele, o rapaz acalmou Bucéfalo, montou, cavalgou até o outro lado do campo e voltou. 

Plutarco conta que, diante da corte atônita com a proeza do garoto, Felipe chorou de alegria, dizendo ao filho: 'Terás de encontrar teu próprio reino para reger. A Macedônia será pequena demais para nós dois”.



PAI E FILHO SE
TORNAM RIVAIS

Foi assim, ainda adolescente, que Alexandre começou a rivalizar com Felipe. Eram rivais de honra. Com Aristóteles, ele aprendeu mitologia e literatura, história política, filosofia política, astronomia, metafísica, geografia, geometria, matemática, zoologia, botânica, retórica e o significado dos sonhos.

Orientado pelo filósofo, Alexandre lia e discutia a Ilíada, de Homero, com os amigos e aprendia: “Para ser o melhor rei no sentido homérico, o homem tinha de reinar sobre seus súditos de maneira paternal, cuidando deles como um pai cuidava dos seus filhos; a preocupação com o bem-estar do seu povo o distinguia do tirano”. Assim, segundo Aristóteles, o rei teria mais excelência do que todos do reino, e seria admirado e respeitado.

Teoria à parte, na prática, Alexandre aprendeu as melhores técnicas de luta com os generais e os guerreiros experientes do exército do pai. A rivalidade, então, era só uma questão de tempo e maturidade. Felipe vivia em guerra permanente conquistando povos diversos e deixava com Alexandre,  com apenas 16 anos, o selo real, autorizando-o a agir como soberano. O jovem chegou a comandar batalhas contra tribos rebeldes na fronteira da Macedônia. Com seus êxitos, passou a confrontar o pai.



Em 338 a.C., o exército de Felipe venceu Atenas e Tebas e, pela primeira vez na história, um forasteiro dominava a Grécia continental. Não satisfeito, Felipe planejou invadir o Império Persa, de Dario III, o maior e mais poderoso do mundo na época. Cento e cinquenta anos antes, Dario, o Grande Rei, tinha arrasado Macedônia e Atenas, e Felipe queria vingança.

Mas Felipe comandava um reino de intrigas e inimigos e antes que sua convivência com Alexandre se tornasse insuportável, acabou misteriosamente morto a facadas por Pausânias, soldado do seu próprio exército, durante um desfile em homenagem aos deuses gregos. O assassino, que logo foi executado pela guarda real, deixou no ar um mistério nunca esclarecido sobre o motivo do ataque. Começou assim, portanto, a ascensão de Alexandre.

A CONQUISTA
DO MUNDO

Novo rei da Macedônia, Alexandre empreendeu a maior de todas as conquistas do mundo até então. Depois de várias batalhas, dominou o fabuloso Império Persa e pôs o rei Dario III em fuga. O que o movia era a ambição de ir onde nenhum grego jamais havia estado, assim se tornaria o maior de todos. Sua máxima filosófica então, segundo Arriano, era: “Nenhuma vitória importa se não conseguimos a vitória sobre nós mesmos”.



“Os macedônios eram considerados mendigos comparados ao rei da Pérsia; seus tesouros continham montes de ouro e prata. Apenas o exército tinha 100 mil soldados de infantaria oriundos de povos conquistados.”  Sem falar na força marítima.

Alexandre tinha um exército infinitamente inferior, mas com estratégias e ousadas e usando rotas inóspitas por terra e mar e grande logística, com milhares de homens, cavalos e camelos, rompeu as longas distâncias e conquistou os persas. Foragido, Dario acabou traído e assassinado por um chefe de tribo que se rendeu a Alexandre.

Segundo os autores do livro, a fortuna abocanhada por Alexandre seria hoje o equivalente a US$ 1,6 trilhão. Apenas em ouro e prata eram 7 mil toneladas, que ele transportou da Ásia para a Europa no lombo de 20 mil burros e 5 mil camelos.



O principal segredo do sucesso de Alexandre, que depois seria usado contra ele, curiosamente, contrariava Aristóteles (para quem os não gregos eram bárbaros e tinham de ser escravizados) e os heróis gregos por formar um governo multiétnico. Para garantir a longevidade de suas vitórias, ele se preocupava com o bem-estar dos que deixava para trás. Acreditava que só seria possível dominar tão vastas terras concedendo o poder local a reis da terra conquistada, como novos aliados.

Foi assim na Pérsia e em todas as regiões conquistadas depois no Norte da África – inclusive o Egito, onde foi coroado faraó – e parte da Índia, onde venceu até exércitos com elefantes de guerra. Entre a violência e a diplomacia, Alexandre passou a usar trajes locais e a assimilar costumes de povos conquistados, o que desagradou ao seu próprio exército.

Em apenas 10 anos, ele se tornou rei de quase todo o mundo conhecido e, segundo historiadores, queria se tornar um deus, o mais glorioso de todos.

E não foi adiante no Oriente porque parte do Exército se rebelou contra tantas distâncias e adversidades. Era amado e odiado. Se um povo invadido se rendia, seu rei era chamado a governar sob a liderança complacente de Alexandre. Se resistia, era simplesmente assassinado em massa ou escravizado, inclusive mulheres e crianças, por ordem do poderoso macedônio.



AS ESPOSAS 
E OS AMANTES

A vida sexual de Alexandre, segundo Martin e Blackwell, ainda hoje é alvo de debates controversos. Os termos homossexual, heterossexual e bissexual são anacrônicos se usados para descrever antigos gregos e macedônios. “Um homem ateniense durante o período clássico podia ter relacionamento sexual publicamente aceito com um homem mais jovem, mas também um casamento e vida familiar com sua esposa.

O termo bissexual não descreve bem esse estado de coisas porque esse ateniense maduro evitaria um relacionamento sexual reconhecido com outro homem de sua própria idade e de status livre, mas poderia não pensar duas vezes antes de solicitar sexo de uma escrava ou escravo doméstico”, dizem os autores. Assim sendo, Alexandre teve duas esposas e também relacionamentos com homens.

Os autores ressaltam, inclusive,  que as fontes antigas não relatam o que os estudiosos modernos afirmam: Alexandre e seu grande amigo de infância Heféstio eram amantes, o que seria transgressão.  Isso porque, pelos padrões gregos, não era permitido dois homens da mesma idade serem amantes.



Na Grécia antiga, era comum um adolescente ser entregue a um homem adulto para ser educado e se tornar um cidadão respeitado e influente em sua cidade-Estado. Mas essa relação só durava até o jovem amadurecer. Aos olhos de hoje, isso seria simplesmente abuso sexual e pedofilia. Outro exemplo vem de Esparta, onde mulheres adultas podiam abertamente ter filhos com outros homens além dos seus maridos, e até casos com meninas adolescentes.

“Nem Alexandre nem ninguém que ele tenha conhecido teria pensado em formular a questão nesses termos, homossexual ou bissexual”, alertam os professores. Além do mais, os casamentos serviam mais para produzir herdeiros e fazer alianças políticas; sexo era outra história. 

LEGADO DO
HELENISMO

Depois de conquistar o mundo em 10 anos, num reinado de apenas 13 anos, Alexandre planejava então se voltar para o Oeste, conquistar a Península Ibérica, a parte do mundo que faltava dominar, mas não teve tempo. Morreu na Babilônia, após vários dias enfermo, em 323 a.C., aos 33 anos. Não se sabe se por doença ou envenenamento. O seu sonho de um mundo multiétnico não sobreviveu à sua morte. Roxana, sua mulher, estava grávida de Alexandre IV, que morreu ainda menino, após a morte do pai.


O grande império foi entregue aos seus generais, que mergulharam em disputas intermináveis, assim como os seus descendentes. Eles o levaram ao esfacelamento total nos dois séculos seguintes, até que a Macedônia e toda a região caíram sobre o domínio do novo dono do mundo, o Império Romano, dois séculos depois, por volta de 140 a.C.

No fim, ficou um grande legado cultural e científico. A principal herança de Alexandre, eleito o maior grego de todos os tempos em pesquisa realizada na Grécia em 2010, segundo Martin e Blackwell, é o helenismo, que foi a disseminação da cultura grega além da Europa, com influências orientais, entre a morte de Alexandre e a ascensão do Império Romano.

Entre as cerca de 20 cidades que fundou, as mais famosas são Kandahar (Afeganistão) e Alexandria (Egito), esta em 331 a.C. que logo teria a sua fabulosa biblioteca destruída em 48 a.C. por um incêndio até hoje inexplicado. Foi de Alexandre também o pioneirismo de patrocinar o que hoje chamaríamos de pesquisa científica, contam os autores, em suas próprias expedições, que deram grandeza ao seu legado.


Esse princípio inspirou sua detalhada coleta de informações para as expedições militares e o insaciável desejo de explorar o mundo. Acima de tudo, motivou-o a querer reunir conhecimentos sobre sua própria natureza e a extensão do que podia realizar”, concluem os professores.

Os romanos eram fascinados por Alexandre e assim tem sido através dos milênios. Muitas academias militares mundo afora ainda tratam de suas táticas de guerra. Para uns como fonte de inspiração pela sua visão de governo multiétnico, para outros como exemplo a evitar por causa da matança de adversários. O grande guerreiro intelectual grego segue dividindo a opinião de historiadores e líderes políticos. Genocida ou herói culturalista?


Trecho do livro

Discípulo de Aristóteles “O rei Felipe conseguiu o mais persuasivo mestre que pôde encontrar para educar Alexandre, fazendo dele o melhor sucessor possível ao trono de uma potência mundial: o cientista, filósofo e teórico político Aristóteles. Este era da mesma idade de Felipe, tendo nascido no final dos anos 380 a.C. Embora grego, Aristóteles havia passado a infância na corte macedônia, onde seu pai trabalhava como médico oficial.

Ele e Filipe muito provavelmente eram amigos de infância. Quando tinha cerca de 18 anos, Aristóteles deixou a Macedônia para estudar em Atenas, com Platão, o mais importante filósofo da época e ele próprio discípulo do reconhecidamente controverso Sócrates. O currículo de Platão enfatizava matemática, geometria, teoria política e ética. Aristóteles tornou-se a pessoa mais instruída entre os gregos e, em tempos posteriores, o mais influente pensador da Grécia Antiga.


Durante sua longa carreira, ele lecionou uma incrível diversidade de matérias: botânica, geografia, matemática, geometria, retórica, história política, filosofia política, política estratégica, teoria literária, metafísica, astronomia, o significado dos sonhos e filosofia como guia prático para se viver uma vida de excelência.”


Trecho do livro

Fundação de Alexandria ”Em Mênfis, à sombra das grande pirâmides, um sacerdote egípcio coroou Alexandre faraó, um ser humano elevado ao status de deus vivo enquanto estivesse no trono egípcio. Alexandre comemorou o sucesso com um grande festival e em seguida, no início de 331 a.C., navegou pelo Rio Nilo abaixo até o delta ocidental, sobre o Mar Mediterrâneo.

Ali, inspirado por um sonho que citava versos da Odisseia de Homero, ele instruiu seus arquitetos a planejarem o traçado de uma nova cidade. Nomeada em sua própria homenagem, essa cidade portuária estava destinada a promover o comércio marítimo por toda a bacia do Mediterrâneo. Seus instintos estavam certos. Alexandria logo cresceria, tornando-se uma das maiores e famosas cidades do mundo antigo. A biblioteca e a universidade seriam o palco em que dramas políticos moldariam o mundo durante séculos.”

Alexandre, o grande
De Thomas R. Martin e Christopher W. Blackwell
Zahar Editora
260 páginas
R$ 43,90
R$ 30,74 (e-book)