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Tipografia: oficina tradicional em BH se transforma em espaço de criação para nova geração

Negócio de família quase octogenário, no Bairro Santa Efigênia, Leste de Belo Horizonte, se tornou lugar de experimentação de diversos artistas, que passaram a bater ponto ali para aprender os segredos do ofício


postado em 29/11/2019 06:00 / atualizado em 29/11/2019 08:01

Ademir Matias de Almeida em sua oficina na Região Leste de BH(foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A. PRESS )
Ademir Matias de Almeida em sua oficina na Região Leste de BH (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A. PRESS )

Se alguém conseguir achatar um Fusca em altura tipográfica, Ademir Matias de Almeida imprime. O aforismo usado pelo tipógrafo mineiro, de 71 anos, serve para explicar a versatilidade da clássica técnica de composição e impressão, aperfeiçoada por Gutemberg no século 15, e que nos últimos anos foi perdendo espaço comercial ao passo que vem ganhando status de arte, ocupando galerias e ruas. O simpático senhor, de barbas longas e voz grave, está à frente da Tipografia Matias, um negócio de família quase octogenário, no Bairro Santa Efigênia, Leste de Belo Horizonte. Nos últimos anos, a oficina nos fundos da casa de Matias se tornou lugar de experimentação de diversos artistas, que passaram a bater ponto ali para aprender os segredos do ofício. Há dois anos, alguns deles formaram o coletivo gráfico 62 pontos.
Hoje, o coletivo é formado por  Flávio Vignoli, Gabriel Nascimento, Luis Matuto, Olavo D’Aguiar e Vitor Paiva. Eles se juntaram pela curiosidade de desbravar todas as possibilidades da tipografia na criação de peças gráficas: de cartazes, gravuras e livros a embalagens de produtos. No ano passado, os trabalhos foram reconhecidos no The Type Directors Club (TDC), organização internacional sediada na Europa que valoriza a excelência gráfica em tipografia há quase 70 anos.

O desenvolvimento dessa geração de artistas gráficos passa pelas mãos e pela oficina de Matias, que ainda criança se equilibrava em caixote para ajudar o pai, Leôncio Matias de Almeida, fundador da Tipografia Matias na década de 1940. Durante muitos anos, a gráfica funcionou a toda prova, em dois turnos, imprimindo panfleto, jornal, nota fiscal, duplicatas, talões de rifa, cartão de visita, boletins. Hoje, com a diminuição de serviços devido às opções mais baratas e rápidas de impressão digital, o lugar vem se redescobrindo pelo potencial criativo.

Essa relação de berço faz com que Matias tenha ligação sentimental com cada máquina, gaveta de tipos, armários, estantes e guilhotinas espalhadas pelo galpão. “Deixei muito de ir ao cinema para comprar tipos. Há 50 anos junto fontes, equipamentos, comprando, pagando...”, lembra o mestre tipógrafo, que herdou maquinário antigo usado pelo pai. A primeira comprada por ele foi há 43 anos e funciona até hoje: uma impressora tipográfica catu manual, que custou 62 mil cruzeiros em 15 prestações (preço de um carro popular à época). Nela ainda são feitos corte em vinco, relevo e cortes especiais. A outra, uma catu automática, foi adquirida quatro anos depois e Matias precisou vender uma Brasília para dar entrada – no auge da tipografia dos anos 1980, era preciso entrar na fila para comprar as impressoras. 

A guilhotina, que funciona há 40 anos, custou a linha telefônica de Matias para inteirar o valor. Se foram adquiridas por preços astronômicos, hoje algumas impressoras são vendidas apenas para o ferro-velho. “As máquinas foram uma conquista, mas hoje valem pouco. Recentemente, vendi uma impressora de 80 anos pelo preço de 10 centavos o quilo de ferro...”

Ao fundo da oficina, ocupando cerca de três metros rente à parede, está o cavalete de tipos: um armário no qual cada gaveta guarda um conjunto de fontes: na parte de cima, as maiúsculas (caixa-alta); embaixo, as minúsculas (caixa-baixa), boa parte delas adquiridas pelos catálogos das empresas paulistas Funtimod e Manig. As fontes de chumbo eram a partir do corpo 6, separadas em light, regular, semibold, negrito e larga. O preço do conjunto levava em consideração a quantidade de letras A, a mais usada, e era definido por quilo. “Eram custos altos, pois o chumbo era caro. Hoje não se fabricam mais fontes no Brasil. Só é possível comprar usadas ou estoques remanescentes, muitos incompletos”, conta Matias.

Gabriel Nascimento, Olavo de Aguiar, João Noronha e Luis Matuto no ateliê do Coletivo 62 pontos, nova geração de artistas plásticos que se inspira na técnica tipográfica para desenvolver seus trabalhos(foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A. PRESS )
Gabriel Nascimento, Olavo de Aguiar, João Noronha e Luis Matuto no ateliê do Coletivo 62 pontos, nova geração de artistas plásticos que se inspira na técnica tipográfica para desenvolver seus trabalhos (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A. PRESS )

GRAMÁTICA E MATEMÁTICA

A tipografia é a arte da composição e tem gramática e matemáticas próprias. É um exercício de calma e paciência que consiste em compor letra por letra em um componedor – um instrumento de metal que serve para o encadeamento dos caracteres, formando palavras e linhas de texto. As unidades de medidas não empregam os termos métricos: um ponto tipográfico equivale a um terço de milímetro. Uma paica equivale a 12 pontos e a cada 48 pontos (pouco menos de 2cm) forma-se o furo. O nome ao coletivo – 62 pontos – é referente à altura tipográfica para que as fontes sejam impressas. Ao compor um texto, até os espaços em branco precisam ser preenchidos por pequenos filetes de metal.

“Você se torna mais sucinto, porque sabe que quanto mais palavra você colocar, mais trabalho será para compor. Você passa a pesar melhor sua obra”, conta o artista Gabriel Nascimento, um dos pupilos de Matias. “Hoje, as pessoas que escrevem estão distantes dessa produção e levar a produção para a lógica da criação muda a forma de escrever.”

“A tipografia, antes, era um processo industrial. Agora, assume esse valor artístico”, conta o artista Luis Matuto. “Tem obras que só consigo pensar fisicamente, pegando, sentindo as letras, o que não se faz no digital. Dá outro valor de acabamento e sentido à obra”, completa. Gabriel, Matuto e outros artistas se tornaram garimpeiros de fontes no Brasil e no exterior. “Eu acabei de voltar da Argentina com 60 quilos de letras porque lá tem tradição de cartazes. Até hoje a gente vê cartazes nas ruas feitos em tipografia. No Brasil, não temos essa tradição, as gráficas duraram muito tempo fazendo convite de casamento, receituário, nota fiscal. Então, hoje, aqui, a gente encontra tipos pequenos”, conta Gabriel.

As fontes maiores, feitas de madeira, são fundamentais para o desenvolvimento dos trabalhos do 62 pontos, como as obras da exposição 62 artes tipográficas, encerrada recentemente no Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte, e que ilustram esta página. O trabalho do coletivo é encontrado no Instagram (62 pontos), pelo site (62pontos.com) e na Papelaria Mercado Novo (Avenida Olegário Maciel, 742, loja 2176, Centro). Desde 2007, os artistas organizam workshops de imersão na Tipografia Matias, sob orientação do mestre tipógrafo. Em 12 anos, mais de 300 pessoas – entre artistas, escritores, diagramadores, designers e diversas formações – já passaram pelo curso.

Trabalho criado pelo coletivo 62 pontos, que foi criado por grupo de jovens inspirados na oficina tipográfica de Ademir Matias de Almeida(foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A. PRESS )
Trabalho criado pelo coletivo 62 pontos, que foi criado por grupo de jovens inspirados na oficina tipográfica de Ademir Matias de Almeida (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A. PRESS )


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