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Democracia frágil

Livro 130 anos: em busca da República, reúne textos de 32 autores que conta a história do Brasil pós-Império, com altos baixos entre crises e oscilação entre ditadura e democracia.


postado em 15/11/2019 04:00 / atualizado em 15/11/2019 10:17

 O presidente Juscelino Kubitschek acena para o público a caminho do parlatório, durante a inauguração de Brasília, em 1960 (foto: LUIZ CARLOS BARRETO/O CRUZEIRO/ARQUIVO EM %u2013 21/4/1960 )
O presidente Juscelino Kubitschek acena para o público a caminho do parlatório, durante a inauguração de Brasília, em 1960 (foto: LUIZ CARLOS BARRETO/O CRUZEIRO/ARQUIVO EM %u2013 21/4/1960 )
Em 130 anos de República, se lineares e democráticos tivessem sido, teriam sido 32 processos eleitorais com participação popular direta. Mas nessa República fundada com um golpe político-militar, foram apenas 23 eleições presidenciais pelo voto direto – excluído o pleito de 2018 – a partir da Era Vargas (1930-1945), não mais do que cinco presidentes eleitos nas urnas conseguiram concluir os respectivos mandatos: Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), Juscelino Kubitschek (1956-1961), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff, que, reeleita, conseguiu concluir apenas o primeiro mandato (2011-2015), porque sofreu impeachment no segundo, em 2016.

A procura pela estabilidade monetária foi permeada por nove trocas de moedas, dos réis – dinheiro corrente em Portugal – ao cruzeiro e seus muitos cortes de zeros, cruzado, cruzado novo, cruzeiro real até o real de hoje. E a busca pela estabilidade democrática entrecortada desde a fundação da República por seis constituições, que se seguiram à primeira do Brasil-Império (1824): quatro promulgadas por assembleias constituintes, uma imposta por Getúlio Vargas (1937) e outra aprovada sob a espada da ditadura militar, em 1967.

Foram vários sobressaltos, mais à democracia do que à República. A Revolução de 1930, o Estado Novo, e um “golpe preventivo” em 11 de novembro de 1955, que garantiu a posse do eleito Juscelino Kubitschek face à ameaça udenista à estabilidade institucional. Houve uma experiência parlamentarista oportunista – entre setembro de 1961 e janeiro de 1963 – para evitar a posse do então vice trabalhista João Goulart, que constitucionalmente seria o primeiro na linha sucessória a assumir com a renúncia do udenista Jânio Quadros. Veio ainda o golpe militar de 1964 – que excluiu o cidadão da decisão de voto para presidente da República por 25 anos. A nova República despertou com um processo de impeachment e encontrou o seu ocaso com outro.

Numa tentativa de diagnosticar “males do presente” como um dia sugeriu o alagoano Tavares Bastos, a obra 130 anos: Em busca da República, organizada por Edmar Bacha, José Murilo de Carvalho, Joaquim Falcão, Marcelo Trindade, Pedro Malan e Simon Schwartzman, traz entendimentos múltiplos e interdisciplinares da história republicana. São 32 autores – economistas, advogados, historiadores e cientistas sociais – que em perspectivas complementares – da sociedade e política; do estado e do direito; e do governo e da economia – recuperam o método do historiador romano Tito Lívio, separando para a análise o período republicano em décadas.

A proclamada, nos termos de Renato Lessa, “veio ao mundo dos vivos como questão de fato”, sem destruir expectativas utópicas, mas antes “como investimento contrautópico e realista”: a despeito da política de sistemática e crescente centralização institucional a partir do Golpe da Maioridade, em 1840, o Brasil viveu todo o século 19 sob um regime de federalismo de fato, com controles políticos e sociais exercidos por clãs, que se fizeram representar na cena política nacional pelo controle das eleições.

VOTO RESTRITO NA REPÚBLICA VELHA

Nasceu a República um ano e meio após a tardia abolição da escravatura. Tinha 14,3 milhões de habitantes. Durante a Primeira República ou República Velha (1889-1930), ao longo dos 41 anos foram 13 presidentes, dos quais apenas sete eleitos concluíram os mandatos. Mas foi um tempo de participação política pífia: os brasileiros habilitados a votar mal alcançavam percentual não superior a dois dígitos – o direito ao voto, em processos eleitorais “de cabresto” da política do café com leite, era dado apenas aos homens brasileiros maiores de 21 anos e alfabetizados.

Nem bem se ampliou a participação popular, novo recesso democrático. Nos termos de José Murilo de Carvalho: “A década de 1960 testemunhou o fracasso da primeira experiência democrática brasileira, que tinha três componentes. O primeiro era a entrada do povo na política: de início nos movimentos políticos dos anos 1930; a partir de 1945, nas eleições. Na década de 1930, votavam apenas cerca de 2 milhões de brasileiros; na de 1960, votariam 12 milhões (…) O segundo componente foi a transformação institucional das Forças Armadas, efetivada desde os anos 1940. De fator de instabilidade da Primeira República, elas passaram a tutelar os governos, intervindo em 1945, 1961 e 1964. O terceiro componente, ligado aos dois primeiros, foi o forte impacto da Guerra Fria, que colou no trabalhismo a suspeita de comunismo”.

A novidade de 1964, conclui José Murilo de Carvalho, é que, após expurgar a oposição, os militares, diferentemente do que fizeram antes, não devolveram o poder aos políticos. “O golpe de 1964 se tornaria, aos poucos, uma ditadura militar, sobretudo a partir da decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Pelas mãos dos militares, transformados em atores políticos hegemônicos, e com o apoio de seus aliados civis, nosso primeiro experimento democrático foi interrompido”, assinala o historiador.

A República aterrissa na segunda década do segundo milênio, com uma população de 208 milhões, principalmente urbana, com gritantes desigualdades sociais, entre as mais profundas do mundo. Com 146 milhões de eleitores, enaltece o voto universal – que a coloca como a terceira maior democracia de massa do mundo –, convivendo ao mesmo tempo em forte contraste com a judicialização da política e o frequente aparelhamento de órgãos de controle. Mas cresce a participação política na proporção em que órgãos de controle ganham em poder para filtrar e interferir no sistema político-eleitoral.

Ao assinalar “pecados originais” e “teimosias persistentes”, o economista Pedro Malan aponta para as raízes do patrimonialismo – e do “truncado e peculiar” federalismo brasileiro – listados no texto Regimento de Tomé de Souza (1548), com as orientações do rei de Portugal, dom João III, ao primeiro governador-geral do Brasil: “Em cada uma das capitanias, praticareis, tanto com o capitão dela, com o provedor mór de minha fazenda (…) e alguns homens principais da terra, a maneira que se terá na governança e segurança dela”. Ainda hoje, gritam, presentes em nosso cotidiano, o personalismo e o entrelaçamento da esfera pública e privada como se uma só fosse, além do fardo da escravidão, do racismo estrutural e de suas consequências humanas e sociais que desafiam, ainda sem sucesso, o Estado brasileiro a apresentar políticas compensatórias.

“CINZAS DO PASSADO OU SEMENTES DO FUTURO”

Pedro Malan reitera o compromisso da obra de “entender o presente como história e esta como um infindável diálogo entre passado e futuro”, em busca do futuro, que ensaia em sonhos presentes – como quis Jorge Luis Borges, a memória do futuro – à procura de uma República democrática. E em meio a tantos sobressaltos políticos e desafios institucionais nestes 130 anos, Pedro Malan se inspira na metáfora do poeta francês Alfred de Musset: “Ao longo destes 130 anos de República, não sabíamos (como não sabemos hoje) se ao caminhar estávamos pisando nas cinzas do passado ou nas sementes do futuro, juntas e misturadas, como sempre, sob nossos pés e em nossas memórias."

O cientista político Sérgio Abranches, apresenta um dos últimos artigos da coletânea, indicando um presente que se desenha nesta última década da República, uma década de rupturas. O protagonismo do Ministério Público Federal, Judiciário e órgãos de controle à frente da Operação Lava-Jato alavancou o cenário das eleições presidenciais, em que Lula, preso e condenado, liderava as pesquisas de intenção de voto quando foi considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral. Uma facada – que evitou a participação em debates e em entrevistas – associada a uma pauta fundamentalista e ultraconservadora e um discurso que criminalizava o petismo e a esquerda catapultaram a vitória de Bolsonaro.

Para Sérgio Abranches, as eleições revelaram o desgaste do sistema político, com a ampla rejeição aos partidos tradicionais, levando à maior fragmentação partidária e redução do tamanho médio das bancadas na Câmara dos Deputados. “Em 2019, iniciou-se o novo ciclo político, que porá em teste o presidencialismo de coalizão e a estabilidade democrática. Será um ano decisivo para o início da reorganização do sistema político-partidário”, afirma ele. Contudo, sobre esse tema, Abranches não arrisca previsões, apenas registra expectativas e apreensões.

ENTREVISTA

EDMAR BACHA
ECONOMISTA

“Brasil perdeu o bonde  da integração mundial”

Valores como liberdade política, igualdade política e distribuição da riqueza e preocupação com a esfera pública, como o espaço para a formulação do bem comum, são princípios que em geral definem um patamar comum à tradição republicana. Cento e trinta anos depois, quais são os principais desafios da república brasileira?
A gente fala na introdução que o copo está meio cheio e meio vazio, porque há hoje um desalento grande que as pessoas estão às vezes desconsiderando os ganhos substanciais nesses 130 anos da república. Se compararmos o que era o Brasil em 1889 com o que é o Brasil de hoje, na introdução temos alguns dados quantitativos a respeito, é uma mudança extraordinária para melhor. E em todas as dimensões: tanto econômica, quanto política, quanto social. O que é frustrante na nossa experiência é que outros países que estavam na mesma situação que nós lá atrás progrediram mais. E estamos patinando na renda média de US$ 15 mil per capita. A China chegou lá e vai nos ultrapassar muito rápido. É uma renda emparelhada com demais países da América Latina. Mas o problema é que na comparação com nossos vizinhos do Norte, quanto com a periferia da Europa, os países asiáticos, ficamos devendo muito em termos de crescimento quanto em termos de distribuição de renda.

O que dificulta o crescimento brasileiro?
Um fator muito importante é que a gente perdeu o bonde da integração mundial. Ficamos olhando para o nosso próprio umbigo e nos integramos apenas com Argentina, Uruguai e Paraguai, isso é muito pouco, enquanto outros países, especialmente asiáticos, fizeram processo de integração muito forte. E os países da periferia da Europa, que eram muito pobres, depois da Segunda Guerra Mundial e através da União Europeia, alcançaram um nível de renda muito maior. Esta é uma questão muito fundamental: o Brasil, para ganhar produtividade em suas empresas, que estão na base do crescimento, precisa de empresas modernas, que usem tecnologia de ponta, que sejam especializadas e que tenham concorrência. Ou seja, precisa de empresas como a Embraer é hoje, mas infelizmente ela é mais exceção do que regra na indústria brasileira. Há essa questão da integração com o comércio exterior, que acho fundamental para provocar o crescimento da produtividade. A outra questão é a distribuição de renda. Há duas questões fundamentais: uma precisa ter uma provisão de serviços públicos de qualidade – refiro-me à educação, à saúde, transporte (mobilidade urbana) e segurança. Esses são insumos muito importantes para a população urbana ter maior capacidade de se desenvolver. Para isso, seria importante termos um Estado que gaste menos consigo mesmo e que possa prover esses serviços, ou seja, de um lado abertura para a produtividade, de outro uma reforma do Estado para que possa atender às necessidades básicas da população e permitir a redução da pobreza e melhoria da distribuição de renda.

O mundo assiste a manifestações populares que expõem a tensão entre o liberalismo político e o liberalismo econômico: o primeiro dá voz ao cidadão, acesso a informações, a possibilidade de mobilização e autoexpressão; o segundo responde por estados cada vez mais incapazes de oferecer bem-estar social. Qual é a solução democrática para esse impasse?
Gosto da ideia de me apresentar como liberal progressista. Na economia, reconheço que a função do Estado não é a de produtor de bens, mas sim a provisão de serviços básicos para a população. Quem tem de produzir os bens é o setor privado. Nesse sentido, nada melhor do que o mercado e uma abertura para o exterior. Essa é a parte do liberalismo. A parte que é ser progressista tem dois níveis: um ser progressista ao nível dos costumes, ser respeitoso das escolhas individuais de cada um. Há uma questão de ser progressista na questão dos costumes, nem o Estado nem as igrejas têm de intervir nas decisões individuais. Por outro lado, progressista no que se refere a distribuição de renda, apoiando sistemas tributários que seriam muito mais progressistas do que o nosso, que além de extremamente tributário é regressivo.

Se pudesse voltar aos anos 1990, da formulação do Plano Real, o que faria diferente? Que lições o esforço de estabilização econômica na década de 1990 pode trazer para os dias de hoje?
O plano foi muito bem-sucedido: tínhamos inflação de 3.000% aos 12 meses e conseguimos trazê-la para níveis civilizados. Era esse o objetivo. O que não conseguimos foi uma retomada vigorosa da economia, por uma série de fatores que enumero no texto, de ordem externa e interna. Bolsonaro votou contra com o PT. A lição é que os economistas sozinhos não dão conta do recado, precisam de apoio político muito forte para realizar a sua tarefa. E hoje em dia, dizem que durante o governo de Fernando Henrique havia governo de coalizão e depois, na época do Lula e da Dilma, de cooptação. E agora parece um governo de colisão. O Brasil tem potencial enorme, mas o clima político anda tão acirrado, que é difícil fazer previsão otimista.

ENTREVISTA

SÉRGIO ABRANCHES
CIENTISTA POLÍTICO

“Não temos mais coalizão”

Qual é o desafio político hoje da República brasileira para o futuro? 
Neste momento, estamos vivendo a crise do sistema partidário. Havia um sistema que funcionava organizadamente, o presidencialismo de coalizão, que foi se esgotando por causa da fragmentação partidária, bancadas perderam tamanho, havia maior aglutinação. A própria corrupção e a politização do Judiciário estavam em parte no esgotamento do arranjo partidário. Está havendo realinhamento partidário, mas em vez do clássico realinhamento em que os partidos em decadência são superados por emergentes e constituem a maioria, o que aconteceu é que houve fragmentação ainda maior. Há mais desorganização partidária e vamos ter de reorganizar o sistema, para que partidos possam ter papel com vistas a organizar governo e a oposição. Falta, então, um processo de organização partidária que retorne a capacidade de formação de coalizão governamental e de oposição. Pois temos agora um presidente eleito por um não partido. O PT mobilizado em torno do Lula. O PSDB se fez e está se refazendo com proposta diferente. Não vamos sair para nova organização enquanto o processo de reorganização partidária não se completar. 2022 será teste para organização partidária. Se não houver o processo de organização, vamos ter outra situação atípica, que vai trazer mais instabilidade.

Como caracterizar a relação de Bolsonaro com o Congresso?
Não temos mais coalizão. Temos um presidente sem coalizão, minoritário, com Congresso fragmentado. Então, não tem condições de governabilidade. Por isso, vivemos crise permanente. Para que tenha um desfecho e a crise se resolva, para que não se torne processo crônico, é preciso ter outros eventos, como pode se dar o processo de realinhamento que seja funcional democraticamente. Ao longo dos próximos anos, na preparação das eleições, na contraposição ao governo, novas lideranças começam a encontrar caminhos mais persuasivos para os eleitores e começam a organizar as suas legendas. Ou assumem legendas que existem e dão nova dinâmica, ou criam novas legendas. Há vários movimentos na sociedade de preparação de novas lideranças para o trabalho parlamentar de todos os matizes ideológicos, todos buscando eficácia política – tanto do ponto de vista de conversar com o eleitor quanto com o Parlamento. Essas lideranças vão conduzir o processo de reaglutinação de forças, com o apoio do eleitorado. Por outro lado, a partir de 2022, temos alguns instrumentos novos que vão entrar em ação que podem ajudar no processo: o fim da coligação proporcional, o que reduz o ímpeto da fragmentação e aumenta a competição partidária, com mais definição territorial e mais definição temática. Temos também a elevação da cláusula de barreira. Haverá então um processo de depuração, um filtro na eleição proporcional que aumenta o desafio para o partido ser competitivo. A tendência será de menor fragmentação partidária.

130 ANOS: EM BUSCA DA REPÚBLICA

Organização: Edmar Bacha, Joaquim Falcão, Marcelo Trindade, Pedro Malan e Simon Schwartzman
Editora Intrínseca
255 páginas
R$ 59,90

TRECHO DO LIVRO

“A década de 1960 foi turbulenta. Como na década de 1930, tivemos três Constituições. A liberal, de 1946 até 1967. A ditatorial, de 1967 até 1969. Em seguida, a emenda de 1969, que substituiu toda a Constituição de 1967 para incluir restrições ao Legislativo em favor da centralização do poder nacional no Executivo Federal. E mais. Tivemos 17 Atos Institucionais. Uma inovação. A norma ditatorial fundamental por excelência. E mais. Tivemos três regimes políticos: em uma dimensão, o presidencialismo e o parlamentarismo; em outra, a ditadura. No total foram sete presidentes da República e três primeiros-ministros. Além de 25 ministros do Supremo. Sendo três cassados – Hermes Lima, Evandro Lins e Victor Nunes Leal – e um renunciante – Adauto Lúcio Cardoso. A década começa calma, com a inauguração de Brasília e a transmissão da Presidência de Juscelino Kubitschek para Jânio Quadros, eleito pelo voto popular. Estávamos na clássica democracia representativa e no clássico estado de direito liberal. Quadros então renuncia. Militares vetam sue vice, João “Jango” Goulart, tido como comunista. Em 1964, a solução de compromisso é mudar o regime de presidencialismo para parlamentarismo. Dura pouco. Um plebiscito nacional refaz Jango presidente. O país se traduz em grande conflito político e social”. 
 


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