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Reflexões sobre linguagem

O nome na ponta da língua reúne literatura, prefácio e ensaio do escritor francês Pascal Quignard, em que mistura gêneros e especula sobre o valor da escrita


postado em 18/01/2019 05:04

No pequeno ensaio Da imagem que falta aos nossos dias (Zazie Edições), Pascal Quignard se declara apenas “um homem que leu bastante, um letrado, ou, melhor ainda, um literato, um homem que aprende sem cessar a escrever suas letras, decifrar, transpor, que não cessa de dar continuidade a este aprendizado, que ama loucamente ler, estudar, traduzir, retraduzir, escrever”. E é com essa postura de orgulhoso autodidata que o autor francês transita entre o conto e o microensaio filosófico em O nome na ponta da língua (em uma belíssima edição da Chão de Feira).

O livro é dividido em duas partes, e suas premissas costuram proximidades entre literatura, história e filosofia, espelhadas em uma estrutura formal flexível, que durante todo o tempo de leitura parece apontar para as fronteiras dessa aproximação. Pascal relê e mistura distintos estilos reflexivos, em um tipo de narrativa poética e filosófica que, longe dos filtros acadêmicos, não tem a intenção de determinar o corte teórico entre arte e discursos científicos, e onde o tom reflexivo predomina sobre os demais tons.

A primeira parte é dividida em três textos: um suspeitíssimo prefácio ao conto; o conto propriamente dito (homônimo ao livro) e um comentário supostamente autobiográfico que busca aclarar o conto em questão. O prefácio (“Frio da Islândia”) nos diz que a ideia do conto nasceu em um encontro alegre de vários amigos, durante o qual o narrador tentava cortar um pedaço de sorvete de café duríssimo. Lá, recorda Quignard no prefácio, encontrava-se o germe de uma história na qual o esquecimento da linguagem seria o gatilho de toda a ação. Em um nível onírico de fábula, a ação propriamente dita perpassa o conto, que traz uma história em que a felicidade e o matrimônio do casal de protagonistas (Jeûne e Colbrune) dependem da capacidade de ambos trazerem à tona (“à ponta da língua”) um nome mergulhado no esquecimento.

É com esse argumento simples, que bebe na fonte da cultura popular, que parte a tese de Quignard sobre o fracasso da linguagem: as palavras “na ponta da língua” podem se perder quando resolvem sair. Por trás dessa constatação, a ideia de que a linguagem é algo que se aprende e que, assim como tudo que se aprende, pode ser esquecida a qualquer momento.

Pequeno tratado sobre medusa fecha a primeira parte com um comentário ao conto, mediante o qual o autor nos dá a entender que dois incidentes pessoais (a perda da voz por duas vezes em sua vida) ocupam sua escrita, a ponto de identificá-la quase que completamente com a teoria dos lapsos de linguagem. Dividido em cinco partes, mistura autobiografia com divagações mitológicas, levantando questões que transbordam das margens do texto. Nesse sentido, a glosa biográfica reformula o conto lido, disponibilizando chaves de entendimento de que o leitor não dispõe. Aqui, Quignard evoca vários gêneros (o ensaio, a biografia, a crônica), colocando em suspeita todas as supostas intenções do texto para fechar, na segunda parte do livro, com um enigma também de origem fabular, seguido de Comentários sobre três versos de Donne.

Talvez, a conclusão do livro de Quignard seja a percepção de que tudo pode ser reconstruído pela linguagem, ainda que não no instante em que a experiência ocorre. Essa constatação funciona como o ponto de ancoragem dos textos, na certa o resultado da rebelião do escritor contra o espírito unitário e sistemático. Do ponto de vista formal, essa investigação conduz o autor por uma alternância de ensaios que “explicam” o intrincado funcionamento dos contos anteriores, podendo gerar um efeito estranho de “desencantamento”, capaz de agradar a alguns leitores, para quem o mistério dos textos literários não é importante. São para eles que tais estratégias discursivas que utilizam formas híbridas funcionam, na falta de uma história unilateral.

Por outro lado, o encanto da prosa de Quignard está no resgate do narrador como figura central da oralidade, e na denúncia de que é só através do domínio da palavra que alguém consegue dominar outra pessoa socialmente. A importância da oralidade, mas também da palavra escrita, para a memorização das histórias é o mote final deste pequeno grande livro.


Tadeu Sarmento é escritor, autor de E se Deus for um de nós (Confraria do Vento, 2016), entre outros

O NOME NA PONTA DA LÍNGUA
• Pascal Quignard
• Chão de Feira
• 121 páginas
• R$ 40


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