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O insustentável peso da ausência

A mineira Rosângela Vieira Rocha funde realidade e ficção, passado e presente para buscar compreender a perda do marido em O indizível sentido do amor


postado em 21/12/2018 05:03

O luto na literatura vem sendo invocado tanto em clave autobiográfica como em viés ficcional e entre os escritores brasileiros contemporâneos destacam-se testemunhos cruciais e dilacerantes como os de Boris Fausto (O brilho do bronze) e de Tiago Ferro (O pai da menina morta). São cartografias do luto e da perda em que a narrativa transcende o mero desejo de purgação do sofrimento e deflagra uma tentativa de compreensão e reconciliação com a vida, na esteira do que já disse Hannah Arendt: “Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder se contada uma história”.

Na linha dessa experiência desestabilizadora, Rosângela Vieira Rocha, escritora mineira de Inhapim radicada em Brasília, acaba de lançar O indizível sentido do amor. Novela em que a memória e a invenção se fundem num conjunto de referências pessoais e estéticas para um diálogo profundo e catártico sobre um drama pessoal pelo qual a autora passou há alguns anos e que busca preencher lacunas que a vida e a história colocaram em seus caminhos.

A potente realidade da trama toca preferencialmente na lenta agonia do personagem principal, portador de uma doença autoimune e que ao longo dos anos sofre solitariamente para contornar seus processos degenerativos, na mesma medida em que evita rememorar os fatos que marcaram sua vida de ex-militante político, preso pela ditadura, tendo sofrido prisão, interrogatórios e torturas que lhe deixaram marcas profundas.

Lavrado na primeira pessoa, de cunho intimista e confessional, mas que jamais escorregou pelo sentimentalismo ou autocomiseração, a protagonista empreende uma viagem ao passado do ex-marido e, paralelamente, desvela a intensa cumplicidade e admiração mútuas que pontificaram a relação do casal. Ao penetrar nas sombras desse passado de arbítrio e violência e nos escaninhos da luta política do marido, Rosângela atravessa o Atlântico para se encontrar em Lisboa com Alípio de Freitas, companheiro de prisão de seu marido. Ex-padre católico que participou com José Antônio Simões Filho das ações políticas no interior do país, integrando ambos o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, vai encontrá-lo cego e com saúde fragilizada, ao lado de sua companheira, Guadalupe Portelinha, que a recebe para abrir as páginas de um álbum íntimo. O ex-colega de luta clandestina, que morreria pouco depois de lançar o seu livro-documentário Resistir é preciso”(Ed. Âncora, 2017), conta-lhe alguns momentos que cumpliciaram no enfrentamento da ditadura, do terror e a violência que sofreram na prisão de Ilha Grande em razão da luta política em curso naqueles anos de chumbo.

O romance se bifurca em lembranças da adolescência e dos tempos de estudantes universitários de Rosângela e José, repassa as relações familiares, expõe as idiossincrasias de ambos, os percursos individuais antes e depois da redemocratização, o recomeço na vida funcional e administrativa (ele, físico, foi trabalhar na área de informática de um órgão público; ela, jornalista, professora do curso de comunicação da Universidade de Brasília, lançando-se na vida literária). Nesse fluxo de consciência entre passado e presente, realidade e ficção, o plano onírico, muitas vezes, deixa-se impregnar em seu testemunho, emprestando ao relato um viés poético singular, tanto pela linguagem cuidadosa e elegante quanto pelas imagens e metáforas, recursos que a autora sabe usar com maestria e sobriedade, como na altura em que confessa que “o indizível só pode ser adivinhado escutando-se longamente o silêncio”.

Tendo sido contemplada no gênero romance com o Prêmio Nacional de Literatura da UFMG-1988 com Véspera de lua e o Prêmio Brasília de Produção Literária 2001 com Rio das pedras, além de publicar livros infantojuvenis e integrar várias antologias, a autora é uma das vozes mais representativas de sua geração, pois vem pautando sua bibliografia com narrativas que abordam os dramas e dilemas humanos, mergulhando na psicologia de seus personagens e nos contornos políticos, sociais e históricos do país para habitar universo de suas histórias.

*Ronaldo Cagiano é escritor mineiro, reside em Portugal, autor, entre outros, de Eles não moram mais aqui (Patuá, 2015/Gato Bravo, Lisboa, 2018).


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