Férias
O que eu não faria
para ser como a criança
que perde a pele mas
não percebe que se transforma
O que eu não daria
para ter férias da cabeça
segunda-feira
No finalzinho do
domingo
com chuva
o sol sempre
sai para nos lembrar
que a vida é linda
e injusta
sexta-feira
A cadeira azul
para obesos do metrô
na noite de sexta-feira
se transforma
em namoradeira
para casais magros
domingo seis da tarde
A hora em que toda a cidade emudece
ao ligar a tv
no mesmo canal
Domingo seis da tarde
A hora em que aquele amor secreto do tempo da escola
se aproxima do parapeito
do décimo andar
Domingo seis da tarde
A hora em que você dá um murro no espelho
e mesmo assim
não destrói a própria cara
Domingo seis da tarde
A hora em que meu nome e o seu
começam a desaparecer
da lista telefônica
Domingo seis da tarde
A hora em que esquecemos o endereço
de nossa casa
e ela deixa de existir
carrossel
Pense num carrossel
em como ele poderia competir
em sua lentidão
de brinquedo do passado
contra objetos velozes
deste novo mundo
Pense no domingo
em como as feiras
as luzes as coisas
coloridas que são vendidas
servem apenas para encobrir
aquilo que está lá embaixo
soterrado e incólume
As manhãs de domingo
As tardes de domingo
As noites de domingo
O domingo
* Nasceu em Cuiabá, em 1968, e mora em São Paulo. Estudou arquitetura na UFRJ e formou-se em desenho industrial (Unesp), mas desde o fim da década de 1990 se dedica à literatura, atuando também como editor e tradutor. Publicou os livros de poesia Eletroencefalodrama (Ciência do Acidente, SP, 1998) e Animal anônimo (Ciência do Acidente, 2002), além dos livros de ficção Não há nada lá (Ciência do Acidente, 2001), Curva de Rio Sujo (Planeta, 2004), Noite dentro da noite (Companhia das Letras, 2017, entre outros. Os poemas acima estarão no livro O sonâmbulo canta no topo do edifício em chamas (Editora Pedra Papel Tesoura, 2018)