Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Sobre os universitários que violaram princípios éticos

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Desde tenra idade, jovens são cativados pelas maravilhas da medicina e pelo idealismo de salvar vidas. É o início de um sonho, concretizado após longa jornada de estudos e compromissos. Mais do que apenas vestir jaleco branco e usar um estetoscópio no pescoço, o aspirante imagina o dia que poderá fazer a diferença na vida de alguém, estabelecendo profunda interconexão humana, que transcende a ciência.



Paradoxal observar a completa distorção de propósitos, dados os acontecimentos recentes. Se o preceito fundamental da relação médico-paciente é a confiança, como seria possível fazer um resgate de valores e virtudes, princípios éticos, que parecem ter sido varridos da curva de aprendizagem de alguns?
O comportamento esperado de um estudante de medicina é a integridade, fazer o bem, não causar o mal, respeitar a dignidade da pessoa humana. Atenção, aprendiz de Esculápio, a escolha de cuidar da vida humana foi sua, implicando em compromissos: evitar excessos (seja em festas, estudos ou trabalho), buscar um equilíbrio saudável entre vida pessoal, acadêmica e profissional, assegurar sua própria saúde física e mental.  Teriam se “esquecido” da virtude da temperança? 

Autodomínio, moderação e autodisciplina nas ações, emoções e impulsos. Virtude da prudência? Na medicina, isso implica em tomar decisões ponderadas, lidar com dilemas éticos, determinar uma melhor abordagem terapêutica e, imediatamente, reconhecer o cenário em que há algo muito errado acontecendo! Com tantos estudantes de medicina reunidos naquele jogo, qual o motivo de ninguém ter dado o grito para interromper o criminoso ato? Em profunda reflexão, observo duas possíveis explicações: ?1) A “normalização” de uma cultura de assédio moral, sexual e do “silêncio”; 2) A falta de conhecimento ético-legal dos estudantes de medicina.

Assédio, moral ou sexual, refere-se aos comportamentos indesejados, repetidos e ofensivos, que visam intimidar, hostilizar, degradar, humilhar uma pessoa, por várias razões, incluindo, mas não se limitando a, gênero, raça, orientação sexual, religião ou posição hierárquica. Muitas vezes “camuflados” sob o pretexto de “brincadeiras”, “padrões de trabalho” ou “tradições culturais”, têm a real intenção ou o efeito de atingir uma pessoa (ou grupo de pessoas) de forma sistemática e recorrente. Mulheres são vítimas frequentes, por vezes, sofrendo caladas.

Os agressores, colegas, superiores hierárquicos, supervisores e preceptores, em ambientes profissionais dominados por tradições machistas, atrasadas e equivocadas, aumentam progressivamente suas investidas com comentários ou insinuações inadequadas, avanços físicos indesejados (vide a exposição coletiva de pênis), coerção para “favores sexuais” em “troca” de “benefícios profissionais”.



A vítima, frequentemente, sente-se culpabilizada ou desacreditada, enquanto o comportamento do agressor é protegido ou “justificado” (ah, mas eles “mostraram a bunda” primeiro). É a “cultura do silêncio”, onde as vítimas se sentem isoladas e sem apoio, o assédio moral e sexual pode ser minimizado, ignorado ou até mesmo, absurdamente, “normalizado”. É o famoso “deixa isso para lá”. Em pleno 2023?

É mandatório que as faculdades de medicina e os hospitais, compromissados, implementem programas de combate ao assédio moral, sexual e a “cultura do silêncio”. O poder público pode contribuir para isso, especialmente na fiscalização, investigação e punição exemplar!  Por fim, nesta reflexão, insisto na importância de se ensinar o conteúdo ético-legal na formação médica, valores e virtudes, integridade e o respeito, que são fundamentais na responsabilidade de formação humana dos estudantes de medicina. Lapsos neste sentido colaboram na explicação dos cenários desastrosos que, infelizmente, estamos observando, dia após dia.  Até quando? 

Por Leandro Duarte, Coordenador do Departamento Ético-Legal e Exercício Profissional da Faculdade de Ciências Médicas-MG