Wesley Roberto de Paula
Mestre em direito pela UFMG, professor da pós-graduação na PUC Minas e advogado na Santa Casa BH.
A intersexualidade é uma condição em que o sexo biológico não se adequa aos padrões instituídos pela sociedade. A Organização das Nações Unidades (ONU) calcula que até 1,7% da população mundial nasça intersexo, inclusive com Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) que resulta em dúvida sobre o sexo da criança.
As comunidades médica e jurídica buscam uma melhor abordagem sobre o tema, embora preconizem, implicitamente, a prevalência do padrão masculino/feminino, comprometendo a livre escolha e, quiçá, o desenvolvimento da pessoa intersexo.
A Resolução nº 1.664/2003 do Conselho Federal de Medicina define a intersexualidade como urgência médica e social, orientando a realização da cirurgia de designação sexual a partir de estudos multidisciplinares, exames, participação dos pais na tomada de decisões e, quando possível, do paciente. Anacronicamente, a nomeia como “anomalia da diferenciação sexual”, o que fomenta a estigmatização da pessoa, ao passo que deveria ser considerada como uma especificidade fisiológica.
O Provimento nº 122/2021 do Conselho Nacional de Justiça dispõe que, quando o campo “sexo”, na Declaração de Nascido Vivo ou da Declaração de Óbito Fetal, tenha sido preenchido como “ignorado”, a mesma orientação deverá constar no campo “sexo” na certidão de nascimento ou de óbito, evitando que haja uma demora na emissão do documento.
O Consenso de Chicago define a intersexualidade como Desordem no Desenvolvimento Sexual (DDS), classificando-a como um diagnóstico médico, sendo a pessoa intersexo aquela que vive num corpo que tem DDS. Indica, ainda, procedimentos adequados e sugere que, nos casos de HAC, deve ser feita a cirurgia para designá-la para o sexo feminino.
Ante a esses regulamentos, emerge o protagonismo da criança/adolescente em relação ao protocolo médico/cirúrgico de designação do sexo, visto que a opção indicada pelos pais e médicos conduzirá sua vida.
Em razão disso, diversos países tratam o tema no que tange ao momento da definição do sexo. Nos Estados Unidos, os pais decidem pelos filhos, exceto em situações em que o tratamento garantirá a vida da criança. No Reino Unido, a idade não é barreira para o consentimento, desde que o menor demonstre capacidade para consentir. A Colômbia tem um protocolo complexo, exigindo um consentimento qualificado e persistente para garantir um equilíbrio entre o poder familiar e a participação da criança no processo de definição.
Em comum, todos guiam a realização precoce da cirurgia por critérios estéticos e funcionais para adequar o corpo intersexo, dentro da lógica binária da sociedade. Mas atentam também para a função reprodutiva, prevenção a patologias no trato urinário, virilização tardia em mulheres e desenvolvimento de mamas em homens. Se balizada somente por critérios socioculturais, suscita discussões, em especial por sua irreversibilidade.
Do mesmo modo que vem sendo adotado por diversos países, em prol de uma sociedade plural, do pleno desenvolvimento das crianças e da sua autodeterminação, com exceção dos casos de urgência médica, o procedimento cirúrgico para designação de sexo deve ser postergado, sendo realizado somente quando seus efeitos e consequências possam ser considerados e compreendidos.