Jornal Estado de Minas

Partilha em vida: milagre, miragem ou mistério?


Laura Brito
Advogada

As famílias são variadas, os patrimônios são diversos, mas há um objetivo constante em quem procura uma solução em sucessões: evitar um inventário. Por isso, é comum que as pessoas se interessem pela partilha em vida.





Antes de explicar o que é uma partilha em vida, vale anotar que, caso exista algum patrimônio, a chance de não ter um inventário é muito pequena. Por mais abrangentes que sejam as estratégias de adiantamento da partilha, é quase impossível uma previsão que consiga abarcar tudo antes do falecimento. Além disso, ninguém deve ter medo de inventário, pois, feito com zelo e organização, não há de pesar no luto vivenciado.

Dito isso, a partilha em vida é um caminho permitido pelo artigo 2.018 do Código Civil de que o ascendente (pais, avós) transmita e divida o patrimônio ainda em vida, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários. Em uma primeira leitura, parece um milagre poder adiantar a partilha que ocorreria em inventário, evitando, assim, desgastes e desavenças. Mas é preciso conhecer os desafios desse plano.

Para os interessados, vale anotar que a partilha em vida pode evitar o inventário, mas não impede a incidência de tributos (repita comigo: planejamento sucessório não é evasão fiscal). A partilha em vida é tributada e, por ser uma transmissão gratuita de patrimônio, terá a incidência do ITCD, exatamente como aconteceria em caso de partilha por morte. Ou seja, é exatamente o mesmo imposto. Mas é preciso reconhecer que o adiantamento dessa providência garante a alíquota atual, sendo que o seu aumento é pauta constante.





No que concerne à formalização da partilha em vida, ela acontecerá por escritura pública ou dependerá de homologação judicial em caso de interesse de pessoas incapazes. Com isso, ela não vai afastar os custos que o inventário demandaria.

É preciso ainda destacar o papel que o tempo exerce nos efeitos dessa partilha adiantada. Depois que ela acontecer, o autor pode acumular novos bens, que terão de ser inventariados depois de seu falecimento. Mais desafiador ainda será o aparecimento de novo herdeiro necessário, que não participou da partilha. Nesse ponto, há uma divergência sobre o efeito – se a partilha será considerada nula ou se será refeito todo o cálculo para equiparação de participações, conhecido como colação. Em ambos os casos, o resultado é mais misterioso que um inventário comum.

Não bastasse, a partilha em vida transmite a propriedade dos bens. Com isso, aquele que constituiu o patrimônio não tem mais o domínio sobre ele. Ainda que haja o cuidado de manutenção de usufruto, não há mais a decisão sobre eventual venda. Uma reclamação constante de quem opta por esse modelo é querer alienar um dos bens e ter que lidar com a resistência de quem o recebeu. A frase “é meu, só está em nome do meu filho” é tão nonsense quanto frequente.

Por tudo isso, a partilha em vida é uma miragem. Parece um oásis distante dos custos e dos desafios de um inventário, mas é, na realidade, um poço de imprevisibilidade. Nesse quesito, se faz essencial conhecimento especializado para um planejamento personalizado e cuidadoso, porque em matéria sucessória milagres não existem.