Jornal Estado de Minas

Igrejinha da Pampulha: Patrimônio Cultural da Humanidade

Leônidas Oliveira
Secretário de Estado de Cultura e Turismo



A liturgia da arquitetura do templo que emerge na modernidade brasileira, a qual se difere da europeia, se funda na multiculturalidade, centrada nos cânones dos concílios e regras neles estabelecidas, como verificamos no barroco, gótico ou românico. Exemplar raro desse novo conceito fundado na cultura local é a Igrejinha da Pampulha de Oscar Niemeyer, da década de 1940. 





Reconhecida como Patrimônio Mundial, nela a luz e a assimetria produzem efeitos arquitetônicos surpreendentes: o espaço interior e exterior se fundem. Submetido, como o restante das tipologias arquitetônicas, aos processos de depuração, realizados pelo racionalismo, o templo perdeu seus densos conteúdos simbólicos canônicos, ou seja, vinculados aos modelos difundidos pela própria Igreja Católica, como em outrora foi o barroco ou o gótico. 

Nasce ali uma arquitetura religiosa supreendentemente genuína e inovadora: a forma “espermazoidal” do confessionário aponta para o altar, sugerindo os movimentos de fecundidade e de transformação. A porta central e o altar possuem o mesmo volume ascendente, o que coloca o humano em pé de igualdade com o Divino. Profano e Sagrado se misturam.

Niemeyer incorporou, portanto, valores da arquitetura tradicional e seu caráter sincrético, o que lhe permitiu ser vanguarda, sem ter de abrir mão das suas raízes históricas, ao contrário dos pressupostos da primeira modernidade europeia. Niemeyer, na Pampulha, inaugura uma arquitetura moderna do templo e nela reinventa a liberdade criadora, a liberdade de imaginação. 





Destaca-se o inusitado emprego de abóbadas paraboloides, de forma simples, para criar o ambiente das dependências religiosas, numa combinação de estruturas, que é anterior à capela de Ronchamp, de Le Corbusier. Essa também afastava-se de qualquer formulação do racionalismo do pós-guerra. 

A abóbada parabólica permitiu que se construíssem como um único elemento o teto e as paredes, estreitando a parábola de modo que se alargasse ligeiramente na medida em que se aproximasse do altar. Assim já se começa a delinear também um Niemeyer que usa a luz como elemento motriz na concepção de espaços religiosos. 

Essa luz, fartamente usada, está sempre criando quase que uma preponderância do mundo exterior na ambientação interna, porém na escala humana e não monumental como encontramos no gótico. A luz atravessa com maior intensidade na porta de entrada, que é um pano de vidro, e na fusão das duas abóbadas, quase no altar. 

A luz como componente essencial e a curva como norma reverberam nas palavras de Niemeyer apresentadas em seu livro "Conversa de arquiteto", publicado em 1993: “É curioso ver esse rolo, sentir como a imaginação varia, como as ideias vão surgindo diferentes, ora com dois ou três volumes, ora simples, caminhando para o monumental. Em todas, prevalece a curva, essa liberdade plástica que preferimos, decorrente de ‘tudo que vimos e amamos na vida’, como me disse um dia André Malraux do seu museu imaginário”.