Jornal Estado de Minas

artigo

Pauta do novo humanismo




Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Investir na consolidação do novo humanismo, proposto pelo Papa Francisco, é uma urgência capaz de corrigir os rumos da civilização. Especialmente, trata-se de movimento que contribui para formar líderes promotores do diálogo, comprometidos com a construção de um tempo melhor. A busca por um novo humanismo, que tem envolvido estudiosos e pesquisadores, frequentemente inspirando rodas de conversas, é ainda um projeto, mas constitui um broto de esperança, “luz no fim do túnel”. Permanecer distante, sem se envolver na efetivação desse projeto, por pouco compreender o que significa um novo humanismo, significa contribuir para o acúmulo de prejuízos na contemporaneidade. 




É preciso buscar uma reação para trilhar caminhos diferentes.
 
 
 
Individualmente ou em grupo, torna-se importante compreender o significado de um novo humanismo, com suas potencialidades para reverter perdas na cultura, na história e nos patrimônios relevantes. O esvaziamento humanístico da existência revela-se na animalização das relações, com o assombroso recrudescimento de diferentes tipos de violência, naturalizando preconceitos e discriminações. Dentre essas muitas violências, inscreve-se aquela que se manifesta na indiferença em relação aos que sofrem. Ela se torna especialmente grave quando a fome de muitos passa a ser normalizada, não gerando o necessário incômodo para atitudes cidadãs mais assertivas. Consequentemente, prevalece certa inércia ou, no máximo, gestos pontuais. 

Outra consequência do esvaziamento humanístico é o instinto de autofagia que se verifica quando segmentos da sociedade destroem o próprio patrimônio, com uma enfurecida cegueira que não os permite enxergar as consequências de suas atitudes. São, assim, capazes de destruir em pouco tempo o que se edificou ao longo de décadas e até de séculos, movidos por uma incompetência humana perigosa e desleal – rifam por pouco o que vale muito, negociam o inegociável. Também não são raras as manifestações de autoritarismo que sinalizam esvaziamentos humanísticos. Essas manifestações nada mais são do que tentativas para encobrir a realidade, explicitando a carência de um senso humanístico, com impactos nas relações.

A superficialidade humana nas impaciências de todo tipo, pelas redes digitais e nos encontros presenciais, inviabiliza a sincera constituição dos laços de fraternidade. Por isso mesmo, ainda que por abordagens simples, e sem a profundidade de reflexões filosófico-antropológicas, é preciso, cotidianamente, se dedicar à pauta do novo humanismo. É incontestavelmente urgente produzir adequada reação a discursos destrutivos, superando negacionismos, ódios e autoritarismos. Ao invés da destruição e do caos, a humanidade precisa construir o caminho que leve ao desenvolvimento integral. E a pauta do novo humanismo pode proporcionar à sociedade um discurso de união, com capacidade para ajudar na constituição e no fortalecimento de laços fraternos. O mundo político precisa ser fecundado por esse tom unificador, para dar conta de sua importante e insubstituível tarefa, intuindo legislações e práticas capazes de promover o bem comum. Nessa direção, é importante e determinante priorizar o ser humano, reconhecendo e dedicando-se especialmente aos clamores dos pobres e sofredores. Uma prioridade na contramão de lógicas com a aridez e a frieza da ilimitada ganância pelo lucro.





A consideração da pauta de um novo humanismo aponta, especificamente, para a necessidade de se dedicar atenção à cultura que fortemente incide sobre a vida. A dimensão cultural é fonte de sensibilização humanística. Contempla também o adequado tratamento da política, pela qualidade das relações no respeito incondicional a direitos. No campo econômico, efetiva-se novo humanismo quando se vence perversidades e se busca a inclusão, em um incondicional respeito ao meio ambiente. Este tempo grave exige, pois, criatividade para que sejam estabelecidas novas dinâmicas capazes de levar a grandes mudanças civilizatórias. Aqueles que se fundamentam em princípios e valores imprescindíveis – coerentes com o Evangelho de Jesus Cristo, sem manipulações e interpretações fundamentalistas – são promotores das mudanças almejadas. Cresça o interesse pela pauta do novo humanismo, única saída para a crise enfrentada pela humanidade, investimento para a edificação de um tempo novo.