Jornal Estado de Minas

editorial

Responsabilidade fiscal em questão

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Marco da economia nacional ao lado do Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi instituída em 2002 e representou um enorme avanço contra o vale-tudo até então vigente em todos os níveis da administração pública: da municipal à nacional. Tanto o plano econômico que domou a inflação quanto a legislação que obriga governos a terem transparência e austeridade no orçamento resultaram de esforços levados adiante pelos governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, como forma de garantir equilíbrio e previsibilidade às contas públicas.





Antes do Plano Real e da LRF, era comum presidentes da República, governadores e prefeitos abusarem dos gastos públicos e contribuir para levar a inflação do país a picos inimagináveis, como os 1.700% ao ano registrados em 1989. Depois, deixavam os rombos e desacertos nas costas dos sucessores. Depois da Lei de Responsabilidade Fiscal, o desrespeito às contas públicas passou a ser crime e pode culminar na cassação de políticos e torná-los inelegíveis.

Em 2018, o então presidente Michel Temer deu mais um passo para reforçar a austeridade no orçamento, ao propor a PEC do Teto de gastos, que passou a valer em 2017 e limita o crescimento das despesas públicas à inflação registrada no ano anterior. Isso explica por que a proposta do Centrão, abraçada pelo governo Bolsonaro, de mudar a forma de correção do teto de gastos, deixando-a mais ampla para permitir a criação do Auxílio Brasil, no valor de R$ 400, provocou tanta turbulência no mercado financeiro na semana passada.

Além disso, outros dois fatores contribuíram para aumentar o mal-estar: a debandada de quatro secretários do Ministério da Economia e rumores de que o próprio ministro Paulo Guedes teria pedido demissão. Na reação à engenhosa proposta que se vale da PEC dos Precatórios para alterar o teto de gastos, há um real temor de economistas e, sobretudo, de grandes investidores: de que a iniciativa seja apenas a ponta do iceberg que mandará às favas os mecanismos que impedem os governantes de gastarem além do previsto no orçamento. Mas há, igualmente, a grita de uma oposição, temerosa de que o novo benefício resgate a popularidade perdida por Bolsonaro e o fortaleça na campanha pela reeleição.





Menina dos olhos do governo Lula, o Bolsa-Família paga hoje R$ 189, em média, a 14,6 milhões de famílias. Com o Auxílio Brasil, que substituirá o programa social petista, o Planalto quer aumentar para 17 milhões o número de famílias atendidas, além de unificar em R$ 400 o valor do benefício a ser concedido a cada uma delas. Na última sexta-feira, em gesto raro no governo, Bolsonaro e Guedes convocaram entrevista coletiva para tentar acalmar investidores.

Na ocasião, o ministro não apenas negou ter pedido demissão, como pediu “licença” e “compreensão” para o gasto extra, dizendo que se trata de uma excepcionalidade para aliviar a fome de famílias drasticamente atingidas pela pandemia. “Não vamos deixar milhões de pessoas passarem fome para tirar 10 na política fiscal e zero em assistência aos mais frágeis”, disse.

Ele prometeu que a âncora fiscal não será abandonada. As explicações parecem ter surtido o efeito que desejava. Mas a desconfiança persiste, porque há o temor de que o Centrão aproveite a brecha para escancarar a porteira e passar uma boiada de gastos muito acima do que defende Guedes.





No caso do barulho da oposição, tudo aponta para mero jogo de cena. Afinal, recentemente, o ex-presidente Lula, pré-candidato do PT ao Planalto, prometeu acabar com o teto de gastos caso seja eleito, e não houve nenhuma gritaria. Entre eles, nenhuma alma sequer ergueu a voz em defesa da responsabilidade fiscal. Ou seja, nesse ponto, o ditado popular segundo o qual “pau que bate em Chico também bate em Francisco” foi completamente ignorado.

Novas gerações podem nem saber disso, mas foram o Real e a LRF que resgataram a credibilidade do Brasil perante o mundo e os investidores externos. Daí por que sempre ocorrem essas turbulentas reações no mercado financeiro, com bolsa em queda e dólar em alta, quando economistas e organismos internacionais, de forma geral, avaliam que ações de políticos e outros agentes públicos ameaçam a responsabilidade fiscal, o que pode levar ao descontrole das contas públicas e aumentar o risco de calote no país.

audima