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O agregador


05/08/2021 04:00

Humberto Werneck
Escritor

Saiu livro bom, tá no papo – no Sempre um Papo de Afonso Borges, uma dessas fórmulas felizes que, por serem também simples, a gente acha que surgiram, como o guarda-chuva, sem necessidade de inventor. No caso, um programa cultural que há 35 anos começou a entortar o até então inflexível eixo Rio-São Paulo, fazendo de Belo Horizonte escala obrigatória para lançamentos literários. A ideia – juntar autor interessante e plateia interessada – não podia ser mais elementar, mas só ao Afonso ocorreu transformá-la num evento em bases profissionais.

Deu certíssimo, e não só na capital mineira. Nessas três décadas e meia de existência, o Sempre um Papo cravou bandeira em mais de 30 cidades de 8 estados, nas quais contabilizou algo em torno de 7 mil noitadas literárias, em torno de 2 mil convidados – entre eles, peixes graúdos como os nobeis José Saramago e Mario Vargas Llosa, mas também estreantes, já que na ciranda das letras não se pode ter sempre um papa. Em São Paulo, onde se instalou faz 15 anos, o evento trabalha junto com o Sesc SP, tendo passado por várias unidades, como o Sesc Paulista, Bom Retiro, Vila Mariana, 23 de Maio e Santo André.

Como tantas invenções bem-sucedidas, o começo foi não premeditado. E teve, antes de ser literário, um toque literal de bossa-nova, já que havia um banquinho e um violão, dedilhado pelo estudante de jornalismo Afonso Borges nas noites do Ton Carlos, um boteco miúdo que existiu em BH. Era só isso o seu baião, tocar e cantar, quando alguém soprou ao moleque a ideia de rechear a cantoria com entrevistas. Uai, sô, tocou-se o jovem músico – que além de muito prosa vem a ser poeta –, e passou a comandar o Bate-Papo no Ton. A estreia, em 13 de março de 1986, foi com Oswaldo França Jr., o romancista de “Jorge, um Brasileiro”.

A coisa tendo engrenado, em julho daquele ano o Afonso se mudou com mala, cuia e violão para casa maior, o La Taberna, onde o evento, rebatizado e abençoado pelo Frei Betto, ganhou nome e formato definitivos: um lançamento de livro em que o público, além de pedir autógrafo, pudesse papear com o autor. Num clima de tanta empolgação, às vezes, que em dado momento o jovem produtor cultural houve por bem levar o papo, àquela altura arranchado no Cabaré Mineiro, para auditórios convencionais, onde não corresse álcool.

Sábia decisão, pois pouco antes houve a noite em que o convidado, o psicanalista Roberto Freire, ao ouvir a primeira pergunta, encharcada de agressividade e chope, retrucou com um palavrão – e fim de papo. Pior que isso, só no dia em que Millôr Fernandes cancelou presença em cima da hora, deixando centenas de pessoas com o riso engatilhado. Excepcionalmente, Afonso não achou graça no humorista e, lavando as mãos, botou na porta do auditório um cartaz com o telefone do Millôr, para quem quisesse protestar sem intermediários.

Colar cartazes, aliás, não era para ele novidade: nos primeiros tempos, o próprio Afonso, lambe-lambe de si mesmo, saía pela cidade com papel e cola na divulgação do Sempre um Papo. Sem grana para hotel, oferecia pouso a convidados, e foi assim que em sua sala de estar veio a roncar um poeta concreto, Haroldo de Campos.

O que nasceu sob o signo do improviso não tardou a converter-se em coisa séria, com CNPJ, taxas e emolumentos, fazendo do garoto apaixonado pela literatura uma pessoa jurídica – a única que fuma charuto e usa chapéu panamá.

Aos 59 anos recém-feitos, o vitorioso Afonso ainda não está de papo pro ar, mas já não precisa ligar do orelhão para o serviço de divulgação das editoras, como fazia no começo, nem pegar carona para buscar convidado no aeroporto. O que não muda é a compulsão telefônica. Há quem diga que ele tem à mão dois celulares, para que, na falta de interlocutor, possa papear consigo mesmo. Hoje não sei, mas em sua mesa de trabalho, anos atrás, o Afonso não tirava das orelhas um daqueles aparelhos de telefonista, estivesse ou não telefonando – como quem, cravou certa má língua, usasse camisinha até para transar.

A vantagem, imagino eu, era ficar com as mãos livres para apanhar boas ideias, entre elas o cada vez mais prestigiado Fliaraxá, Festival Literário de Araxá, na pista há 10 anos. Há um tempão mantém coluna, Mondolivro, nas ondas da Rádio Alvorada FM e, há alguns anos, federalizou seu papo ao se tornar blogueiro do jornal O Globo.

E vem mais novidade aí: desembarcou nas terras de Drummond, este ano com o Flitabira – Festival Literário Internacional de Itabira, um sonho antigo. Não tem sido assim desde os tempos do banquinho e violão? Mas não vá pensar que esse bicho-carpinteiro das letras resultou num desses fazedores estressados. Nada disso. Capaz de fazer do papo um meio de ganhar a vida, difícil imaginar alguém mais jovial no trato com seu semelhante – se é que existe isso, alguém que se assemelhe ao Afonso Borges, produtor e agitador cultural para quem o rótulo mais exato talvez seja aquele que lhe pespegou outro azougue das boas causas, Danilo Santos de Miranda, o comandante do bem-sucedido Sesc São Paulo: o timoneiro do Sempre um Papo, cravou ele, é antes de mais nada um agregador apaixonado e sem descanso.


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