Frederico José Gervásio Aburachid
Sócio do escritório Aburachid Advogados Associados, mestre em direito pela UFMG e em sustentabilidade socioeconômica ambiental pela Ufop, pós-graduado em direito ambiental pela UGF e presidente da Fundação Libanesa de Minas Gerais (Fuliban)
A COVID-19 demonstrou que os setores público e privado estavam (e ainda continuam) muito despreparados para enfrentar inimigos biológicos. O caos instalou-se em todo o mundo, evidenciando falhas nos mecanismos de controles migratórios, falta de conscientização social, farmacopeia insuficiente, legislações inadequadas sobre o tema e entidades internacionais sem força e alcance necessários.
No Brasil, a Lei 11.105/2005 estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, dispondo sobre a Política Nacional de Biossegurança (PNB).
Embora seja um marco regulatório importante, com impactos sanitários, culturais, ambientais, econômicos e sociais, erige-se muito mais como uma “bússola”. Estabelece as luzes mestras, conceitos e vedações gerais sobre práticas que – entendeu o legislador da época – estariam desalinhadas com valores éticos e com o princípio da precaução.
O legislador optou por atribuir função normativa regulamentar ao Poder Executivo, considerando que a complexidade do tema e sua abrangência exigem a sua contínua análise pelos órgãos técnicos do poder público. Acaso assim não o fizesse, certamente o rigor do processo legislativo formal engessaria as modificações normativas céleres, ignorando detalhes científicos necessários ao longo do tempo.
Nesse sentido, criou-se inclusive a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS). Ambos são órgãos extremamente importantes para a construção da política de biossegurança nacional, haja vista sua função normativa, notadamente afeta às atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de organismos geneticamente modificados e derivados.
O contexto demonstrou, contudo, ser necessário ampliar a visão. Além de atividades relacionadas aos organismos geneticamente modificados, é preciso maior integração entre as normas técnicas de segurança nos mais diversos ramos da atividade humana, não se admitindo – por exemplo – mera adesão dos sujeitos passíveis de contaminação em práticas laboratoriais etc. Saltam aos olhos que os riscos em biossegurança ultrapassam os direitos individuais, alcançando também os direitos coletivos e difusos.
Entre outros aspectos, a política nacional de biossegurança deve compreender normas ambientais afetas ao tema e conteúdo, inclusive sobre a saúde pública em geral. Cite-se, em outra vertente, apenas a título de exemplo, aspectos relacionados aos controles migratórios.
Muitas vezes limitados a questões burocráticas, novos instrumentos de fiscalização devem ser adotados para mitigar riscos sanitários, químicos e biológicos.
O Brasil precisa enfrentar esse debate com prudência, respeitando os direitos fundamentais, sobretudo o princípio da dignidade do ser humano. É necessário revisitar a legislação de biossegurança à luz das evidências trazidas pela pandemia da COVID-19, convidando para essa agenda atores das diversas áreas do saber. Não podemos pecar por omissão.