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O clube-empresa no Brasil: mais necessidade que virtude

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Sérgio Santos Rodrigues
Advogado e presidente do Cruzeiro

Há tempos se fala do clube-empresa como solução dos problemas que envolvem o futebol brasileiro, sem, contudo, serem apresentadas as reais razões dessa conclusão. Dedicando-me muito ao tema, cheguei a pensar que não seria a melhor solução, já que uma associação sem fins lucrativos – natureza jurídica da maioria dos clubes de futebol no Brasil – também pode (e deve) ser gerida como empresa, vide exemplos de Real Madri e Barcelona.





Entretanto, analisando movimentos de mercado e o projeto de lei que tramita no Senado Federal (PL 5.516/19), de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, forçoso reconhecer que a regulamentação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) nos termos ali propostos será não só benéfica, mas essencial para o desenvolvimento dos clubes e do futebol brasileiro de um modo geral.

Se na Europa e nos Estados Unidos os clubes- empresa são praticamente regra, na América do Sul, o Chile se destaca como pioneiro no assunto. O Colo-Colo, time mais popular do país, após ter decretada sua falência, fundou em 2005 uma nova sociedade anônima e fez oferta pública de ações, captando mais de US$ 30 milhões na operação. Em seguida, seus principais rivais, Universidad Catolica e Universidad de Chile, seguiram o mesmo caminho, também obtendo sucesso no ingresso de recursos.

Aqui, a realidade financeira da maioria dos clubes reflete anos de gestões comprometidas em investir desmedidamente no campo sem se preocupar com gestão. O resultado disso são balanços com dívidas imensas, beirando os bilhões de reais, de diversos clubes de grande expressão nacional e internacional. Estando atualmente à frente do Cruzeiro, uma instituição gigante que se encaixa nesse perfil, vivo a realidade de esbarrar na captação de recursos no mercado em razão de consequentes inadimplências e notícias ruins que assolaram o clube no passado recente.





Por isso, a aprovação do PL 5.516/19 e consequente incentivo para transformação dos clubes em sociedades anônimas do futebol (SAF) é uma necessidade: sendo esse tipo de sociedade regulada pela Lei geral das S/A, diversos aspectos de governança, gestão profissional e responsabilidade financeira devem ser observados para sua própria existência, fazendo com que a administração irresponsável seja punida com a falência (o que é impossível hoje, já que esse instituto não se aplica às associações civis sem fins lucrativos), bem como a necessária responsabilização pessoal dos dirigentes.

Ainda, com o benefício de a SAF não suceder aos clubes em suas dívidas anteriormente contraídas, tal qual o bom exemplo dado pela Lei 11.101/05, facilita-se o ingresso de investimento não só por acionistas nacionais, mas por grupos internacionais. Mérito do projeto, também, prever que ao instituir a SAF, parte de seu lucro deve obrigatoriamente quitar obrigações anteriores, de forma que o calote não seja institucionalizado e que esses compromissos sejam honrados sem inviabilizar a operação da SAF.

Além da oferta de ações, amplia-se a forma de captação de recursos através da possibilidade de emissão de debêntures especiais, denominadas debêntures-fut, inclusive com alíquota zero de Imposto de Renda para investidor pessoa natural residente no país, o que, sem dúvida, é uma ótima opção em um país com taxa Selic baixa, em que as pessoas procuram cada vez mais formas alternativas de aplicação financeira.





Hoje, portanto, tenho bastante convicção de que a regulamentação da SAF é essencial para o futuro do futebol brasileiro, tanto em termos de organização (e consequente moralização da gestão) dos clubes quanto em possibilidade de atrair investimento de forma segura para os investidores, que, não podendo mais comprar percentuais de jogadores em razão de proibição da Fifa, ficam desamparados legalmente caso queiram aportar recursos nos clubes.

Na prática, cada clube vai escolher seu modo de operação de acordo com seus respectivos estatutos. No Brasil, já há clube-empresa de sucesso, que é o Red Bull Bragantino. Mesmo não adotando o modelo da SAF, que tem benefícios fiscais além dos acima citados, a empresa de origem austríaca fez um acordo com o clube de Bragança Paulista e no primeiro ano já conseguiu o acesso da equipe para a séria A do Brasileiro e garante, através de gestão profissional, orçamento predefinido e previsibilidade de investimentos para seu funcionamento.

Outros clubes poderão atrair investidor estrangeiro ou até mesmo diluir ações em pessoas físicas ou empresas nacionais, sendo certo que no Brasil há a particularidade dos chamados mecenas do futebol, que são torcedores que ajudam seus clubes por patrocínios e empréstimos, e de presidentes de clubes que colocam dinheiro do próprio bolso para realizar o sonho de fazer seu time campeão. Na SAF, esses aportes poderiam ser feitos através da aquisição de ações, dando mais segurança e até mesmo direitos para essas pessoas.

Espera-se, assim, que o Parlamento e o Executivo deem a atenção necessária para essa questão, que, como explicado, é hoje essencial para a manutenção dos clubes de futebol no país. Mais que uma paixão nacional, o futebol é um grande motor de desenvolvimento, educação, transformação social, responsável por movimentar bilhões de reais e, por isso, precisa dar este passo à frente.




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