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Memória de Adriano Menezes, meu poeta


21/11/2020 04:00

Mário Alex Rosa
Poeta, artista plástico, formado em história, mestre e doutorando em literatura brasileira pela USP e professor de literatura brasileira no Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)
 
Adriano Menezes, um poeta que muito admiro, me disse certa vez que poesia para ele tinha que ser como um trovão. Tinha que fazer muito barulho nos seus olhos e ouvidos. Que as palavras, os versos, deveriam sacudir o silêncio. Ouvi isso mais de uma vez e de maneiras diferentes, mas sempre com essa intensidade daquela voz rouca e alta que meu querido e maior amigo poeta ti- nha. Agora, não posso escutar sua voz ao vivo ou por telefone me dizendo que poesia para ele era TROVÃO. Adriano partiu domingo, quando seu coração não quis fazer mais trovão.
 
Este ano de 2020 deveria ser apagado da história, ou melhor, deveríamos fazer uma re- volução humanista para que essa pandemia, para que essa atual política brasileira desapareçam definitivamente. Adriano era um combatente, um cara que tinha rosto de espanhol e que falava parecendo que estava brigando, mas era o seu jeito de confirmar suas posições políticas, poéticas, culturais. Não era de grupo, não fazia concessão. Era autêntico onde estivesse e com quem estivesse. Amava e defendia seus amigos desbragadamente. Era um homem que dizia para mim e para muitos dos seus amigos quando encontrava "que estava cheio de assunto". E como tinha assunto! Assuntos de toda natureza. Agora, ouço sua voz ecoando aqui nos meus ouvidos e eu em silêncio sempre ouvindo-o. Adriano, meu poeta, meu amigo, você partiu e eu aqui estou partido. Fui seu editor. Pude ler e reler e conversar tantas dezenas de vezes sobre seus poemas, seus poucos livros, mas todos certeiros e cheios de trovões.
 
Recentemente, disse que você era um cronista de mão cheia. Que queria que você escrevesse mais porque tinha um talento nato para contar histórias. Sua poesia quase que esbarrava nisso se não fosse seu talento para explodir a linguagem dela. Penso no convite para eu participar da banca de sua dissertação sobre Marcuse, que sem saber absolutamente nada de filosofia fui convidado para participar da banca. Foi bonito ver você ali- nhado e cheio de conversa, cheio de assunto. Lembro-me de que disse que sua escrita não era uma escrita de filósofo, mas de um narrador que sabe nos contar sobre assuntos difíceis com elegância. Você era um narrador. Como sabia ler Guimarães Rosa em voz alta! Seu fusquinha, cujo nome foi tirado de um conto do livro Primeiras estórias: Sorôco, sua mãe, sua filha. Como você sabia re- citar/falar poemas de Fernando Pessoa com sotaque português!
 
Você era engraçado e brigão. Brigava comigo para logo pedir desculpas e dizer que eu era culpado por ter incentivado você a escrever e pu- blicar seus poemas, seus livros. Escrevi sobre os dois primeiros. O terceiro, que estava a caminho, concordamos que não fazia mais sentido eu es-  crever orelhas ou algo parecido. Nunca fomos a favor de chapa branca. O livro está pronto. Discutimos dias e horas o título. Discordei de todos, até que cheguei a um verso de um dos poemas e você imediatamente concordou. Porém você repetiu que de novo eu era o responsável por qualquer coisa que pudesse acontecer com seus livros, com sua vida. Choramos. Chegou até a dizer mais de uma vez que eu era o soldado de sua poesia, que eu era o responsável por você abraçar a poesia com tanto afinco.
 
Adriano foi uma das pessoas mais sinceras que conheci. A sinceridade dele era tão forte que muitas vezes eu ficava acuado e apenas ba- lançava a cabeça. E agora, meu amigo, com quem vou concordar? De quem vou ouvir palavras sobre o amor, das paixões da forma que você falava e amava. E agora, de quem vou ouvir falas tão elegantes e ao mesmo tempo críticas sobre as músicas do Clube da Esquina? E agora, de quem vou ouvir sobre o nosso time, o Cruzeiro, da maneira que você comentava após uma partida? Você partiu e me deixou com seu livro inédito. O Alécio Cunha, outro amigo poeta, partiu e me deixou um livro inédito. Não suporto mais partidas. José Maria Cançado, Camilo Lara, Ângela Lago, Haroldo Paiva, Marcelo Dolabela e agora você. Haja poesia para suportar essas perdas. Desculpe! Quem vai me dar aqueles abraços apertados como você fazia como se fosse um anti- Golias abraçando o pequeno Davi?
No livro Memórias de Adriano, que você sa- bia comentar trazendo uma leitura para o presente e dizia da importância da amizade, do afeto, da fidelidade. Saiba que todos os seus amigos reconhecem o quanto você, meu poeta, foi fiel aos seus amigos.

Aqui, reproduzimos seu último poema:

Avós
O reumatismo governava
a casa com mãos de ferro e tortas.
mas também a cisma e o esquecimento, mais arde.
Conferia no acerto das porcentagens
das laranjas que eu vendia entre 
a estação e o campo.
A cesta era olhada do alto, a geômetra
dava o veredicto: pouco.
depois mexia no montantezinho
e a fração me vinha separada meio no olho
por aquelas mãos.
o avô sempre alheio, no quintal
talvez lembrasse a venda velha, capinando. 


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