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Estado de Minas

Desafio repaginado no saneamento básico


06/09/2020 04:00

Otacílio Lage
Jornalista

O Brasil ganhou, em 15 de julho, um marco legal para o setor de saneamento básico (PL 4.162/2019). O instrumento traz uma série de mudanças quanto à participação da iniciativa privada no segmento, extinguindo, por consequência, o atual modelo de contrato entre municípios e companhias estaduais. A lei também prorroga o prazo para as cidades acabarem com os lixões a céu aberto, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010): até 2021 (previsão era 2018) para capitais e suas regiões metropolitanas, e até 2024 (antes, 2021), para municípios com menos de 50 mil habitantes.

Houve reações pró e contra o novo marco. Apoiadores defendem que a atração de investimentos de possíveis R$ 700 bilhões permitirá a universalização do serviço, até 2033. Para os críticos, a privatização deve encarecer a conta para o consumidor e deixará as regiões pobres desassistidas, já que elas oferecem expectativa reduzida de lucro. Defendem que água tratada é um direito constitucional da população, não uma mera mercadoria. Certo é que essa discussão suscita instabilidade jurídica, com ações já aportando no Supremo Tribunal Federal (STF), fato que se torna verdadeiro espantalho para investidores bem-intencionados.

Esse tema, de tempos em tempos, vem à tona no país. Em 1996, numa palestra na Fiemg, o então presidente da Companhia de Saneamento Básico de Minas Gerais S.A. (Copasa), Ruy José Vianna Lage, já chamava atenção para o papel social do Estado nessa área. "Nossa empresa acaba de investir R$ 5 milhões na implantação do serviço de captação e tratamento de água em uma cidade de 2,5 mil habitantes, no Norte de Minas. Foram feitas pouco mais de 400 ligações, com as contas rendendo à Copasa R$ 25 mil mensais. Qual empresa privada assumiria um negócio com esse perfil?"

Vale um paralelo com o setor rodoviário. Em 1993, o governo federal lançou um programa de concessões de rodovias federais. Havia então no Brasil 57 mil quilômetros de estradas pavimentadas tuteladas pela União. Em 2012, eram 14 mil quilômetros concedidos, a maior parte em São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul; em 2018, somavam 20.745 quilômetros. Qual o porquê dessa lentidão? Fica claro que empresas privadas não têm interesse algum em estradas sem movimento, que não interligam grandes centros; rodovias secundárias, em regiões pobres, nem pensar. Em Minas, somente trechos de tráfego intenso – BH-SP (Fernão Dias) é uma delas – atraíram empresários do ramo.

Com a água e o esgoto pode ocorrer o mesmo. Como o Brasil ainda tem 100 milhões de habitantes sem acesso a sistemas de esgoto e 35 milhões sem água tratada em casa, as empresas que vierem a ser contratadas pelas prefeituras deverão, pelo novo marco, responder, até 2033, pela cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% pela coleta e tratamento de esgoto. Em um país sério, seriam metas factíveis, mas, em se tratando de Brasil, quem tem os pés no chão certamente tem tudo para ficar com um deles atrás. Em Minas, em 2018, das suas 853 cidades, a Copasa estava presente em 638 com água tratada e em 307 com coleta de esgoto. Dos 21 milhões de habitantes do estado, 18% (3,7 milhões) vivem em domicílios sem acesso a água tratada e 30% (6,3 milhões) a coleta de esgoto.

Outra mudança prevista pelo marco regulatório é não deixar de fora pequenas cidades, pois a maioria sobrevive apenas com repasses de verbas federais e estaduais. A nova regra permitirá que grupos de municípios formem blocos para contratar os serviços de forma coletiva, sem a exigência de serem vizinhos. O problema será certamente a questão política. Como criar blocos de cidades com tantos partidos políticos no seu comando, cada um com seus interesses? Presidir uma autarquia intermunicipal vai exigir muito jogo de cintura do escolhido para assumir o posto.

Tomara que a Lei 4.162/19 faça da universalização do saneamento básico uma realidade para todos os brasileiros. A meta é antiga e, década após década, vem sendo repaginada por promessas, programas e projetos sem lastro. Num país que tem 5,6 mil municípios e 211 milhões de habitantes, beneficiá-los in totum com essa tão esperada pluralidade sanitária, em 14 anos, é um imenso desafio, que exigirá enfrentamento sério e competente, senão o processo de concessões poderá ser contaminado por ações espúrias, desaguando, inapelavelmente, no temido abismo da utopia.


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