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Histórias de sonhos em velhas pastas


24/08/2020 04:00 - atualizado 23/08/2020 19:02

Fábio P. Doyle
Da Academia Mineira de Letras
Jornalista
 
"Sonho de mineiro." "Sonho de Verano." Os que fazem pouco dos projetos, da dedicação, da competência realizadora dos nascidos aqui nas nossas montanhas usam o ato de sonhar no sentido pejorativo do vocábulo. Como algo anunciado que não será realizado. É como se dissesse: "Conversa fiada". Que não deve ser levada a sério.

Agressões verbais injustas. Deixam acreditar que os mineiros anunciam obras que nunca serão concretizadas. Nossa realidade empresarial é outra. Vejam o mapa industrial, comercial, agrícola, mineral. Lembrem-se do desenvolvimentismo do mineiro JK.

O assunto me ocorreu e me faz escrever e comentar, ao reler velhas cartas, recortes de jornais, documentos oficiais que estavam em uma pasta empoeirada e amarelada pelo passar dos muitos anos, mas guardada com o respeito que sempre tive pelo remetente da documentação, meu bom e saudoso amigo dr. Anthony Vereker, um sóbrio e autêntico cidadão inglês, digno representante da melhor aristocracia cultural do país de minha bisavó Mary.

O curioso é que as duas expressões injustas para nós, mineiros, a dos sonhos, têm relação com o Dr. Vereker. Uma, citada por ele, a de um presidente da Siderbras, Sr. Sarcineli Garcia, dita em Londres, a banqueiros e empresários ingleses do Lloyds Bank, da GKN e da ICC. Os três grupos estavam finalizando, a pedido de Vereker, no final de 1973, participação no financiamento e instalação, em Ouro Branco, aqui em MG, de uma usina siderúrgica, a que viria a ser a poderosa Açominas.

Depois do que ouviram do Sr. Sarcineli, obviamente, desistiram da parceria. O que obrigou Vereker a buscar outros parceiros.

O outro "sonho" injusto, o de Verano, aconteceu dias depois da transmissão do cargo ao novo prefeito. Como representante da Procuradoria-Geral, como advogado, na comissão designada para criar a Metrobel, pedi a ele orientação a respeito. Resposta rápida e definitiva: "O metrô é um sonho de Verano".

O metrô do Verano acabou ali. Não mais se falou nele, até ressurgir, muito tempo depois, como trem suburbano de superfície.

Verano, excelente prefeito, sonhava, sim, com um transporte público moderno, rápido, que só o metrô subterrâneo oferece. Pediu a Anthony Vereker, com experiência na área, que conseguisse apoio e financiamento com empresários ingleses.

Quanto à Açominas, sem os recursos financeiros e logístico que Vereker conseguiu na Inglaterra e em outros países da Europa, certamente o sonho continuaria a ser sonhado por muitos anos.

A empresa surgiu em 1924, há 96 anos, quando o presidente Arthur Bernardes, mineiro, assinou o decreto 4.081, de 9/1/1924, autorizando a criação de uma siderúrgica no Vale do Paraopeba.

Desde então, continuou apenas no decreto, no papel. Em 1968, no governo do general Costa e Silva, ganhou nome: Aço Minas Gerais S.A. Só nome, sem corpo. Até 31 de agosto de 1971, há 49 anos, com a entrada de Vereker no problema. O engenheiro Athos Lemos Rache, representando o governador Rondon Pacheco, convidou Anthony Vereker, consultor financeiro, para um almoço no restaurante Astrodomo, no Rio.

Athos expôs a situação da Aço Minas Gerais e contou que o estado tentava há 20 anos implantar a usina, criada em 1924, ou seja, há 47 anos, "mas não sabiam onde e como conseguir financiamento e apoio". Daí o almoço para pedir a ajuda de Vereker.

Antes de aceitar a missão, ele pediu um relatório da situação e de viabilidade. Só depois enfrentou, e venceu, o desafio. Conversou com seus amigos banqueiros ingleses, foi com Athos a Londres para visitar siderúrgicas e acertar os entendimentos que manteve com o Lloyds Bank e outros grupos financeiros. Quando tudo parecia concluído e aprovado, aconteceu o episódio lamentável do "sonho de mineiro" do presidente da Siderbras, já mencionado. O Lloyds e os demais financiadores cancelaram o que haviam combinado.

Vereker não desistiu. Procurou outros banqueiros, Morgans Bank, Mackee, e conseguiu. O projeto estava orçado, na época, em US$ 400 milhões. Em 1976, o presidente Geisel bateu a primeira estaca da obra. E, em Londres, com Vereker, firmou memorando com os empresários ingleses.

Em 1977, 1978, o alto-forno e o maquinário inglês estavam sendo montados. Vinte e dois mil operários trabalhavam lá. Em 1986, a Açominas foi inaugurada pelo presidente José Sarney.

Vereker, o herói da batalha da Açominas, recebeu a Medalha da Inconfidência "em reconhecimento pelo que fez de fundamental importância para a viabilizacao da Açominas". Recebeu homenagens da empresa que viabilizou? Tem seu nome gravado lá?

Vereker era meu amigo e de minha família há muitos anos – ele foi diretor da Saint John del Rey, a Morro Velho, em Nova Lima. Vinha muito ao Brasil e sempre a BH, hospedando-se no hotel Del Rey, comprando queijos e doces mineiros no Mercado Central para levar para sua família. Não deixava de me visitar no jornal, sempre levando uma lembrança para Rosana, minha secretária, de jantar comigo no Dona Derna ou no Taste du Vin, e de tomar um scotch em minha casa, no Morro do Chapéu, recebido com carinho por Rachel, meus filhos e alguns amigos.

O Dr. Anthony Vereker estava de viagem de volta, dizia definitiva, à sua medieval e arborizada Sevenoaks, Kent, distante uma hora de carro de Londres, mas o destino cruel impediu. Deixou viúva a Sra. Martha Vereker e duas filhas, Susanna e Catherine.


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