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As bombas e a necessidade de uma nova ética


11/08/2020 04:00

Daniel Medeiros
Doutor em educação histórica e professor no Curso Positivo

Há 75 anos, o governo Harry Truman decidiu que poderia abreviar a guerra com o Japão jogando sobre o seu território um novo artefato, com um poder destrutivo sem precedentes. E jogou não um, mas dois desses artefatos, sobre Hiroshima e sobre Nagasaki. O resultado foram mais de 200 mil mortos e uma nova e irreversível realidade: os humanos tornaram-se capazes de destruir a vida no planeta Terra.

A ética é o ramo da filosofia que estuda a conduta humana. A condição para a ética é a necessária reflexão sobre como devemos agir em um mundo no qual não é possível nos eximir da presença das outras pessoas. Aristóteles é uma espécie de "pai" da ética, pois escreveu o seu Ética a Nicomaco para mostrar ao filho como alcançar um estado de espírito pleno, a eudaimonia, em meio às outras pessoas. Para isso, o filho de Aristóteles não podia pensar só em si mesmo, mas no bem comum, na felicidade como algo coletivo. A ética, portanto, busca a melhor forma de existência comum entre as pessoas.

Kant, no século 18, também pensou uma ética para melhorar o mundo, igualmente voltada para a relação com as outras pessoas, condicionando a conduta a um comando que poderia ser resumido assim: "É ético agir se a sua ação puder ser algo que qualquer um também possa fazer, sem prejuízo para os outros". Kant submete nossa condição de pessoas éticas à nossa própria avaliação racional, sem a necessidade de nenhuma instância superior, metafísica, divina. Somos capazes de agir corretamente a partir de nossa própria avaliação das coisas. Só precisamos fazê-lo.

Todas essas reflexões, porém, centraram-se nos humanos, ignorando os outros seres vivos do planeta, e isso por uma razão simples: não havíamos ainda desenvolvido a capacidade de pôr em risco as espécies animais e vegetais da Terra. Nosso problema era com a gente mesmo. Mas isso foi antes das bombas atômicas. Quando os cientistas que se uniram em torno do projeto Manhattan decidiram construir um artefato capaz de liberar uma quantidade tão grande de energia que seria capaz de devastar o planeta, pensavam em proteger o mundo da loucura do nazismo. Parecia nobre a causa e os cientistas acreditaram que poderiam ajudar a paz mundial. No entanto, Hitler caiu sem precisar desse estratagema e Truman resolveu usar as bombas para acabar com a guerra no Pacífico e, ao mesmo tempo, mandar um recado para Stalin. Os cientistas se sentiram traídos, mas, enfim, já era tarde.

Pensar uma ética que envolva a natureza, todas as formas de vida, e que permita aos cidadãos comuns controlarem os projetos dos cientistas parece ser a urgência do nosso tempo. Os avanços da tecnologia – o que ingenuamente chamamos de progresso – parecem legitimar a ação da ciência, como se os cientistas não fossem pessoas com falhas de caráter como qualquer um de nós. Como afirma o filósofo Hans Jonas, a ciência é um exercício do poder humano, e toda forma de ação humana está sujeita a uma avaliação moral. Um mesmo poder pode ser usado para o bem e para o mal. A técnica moderna se traduz enquanto poder humano enormemente aumentado. Daí precisar ser tratada como um caso novo e especial. Cabe ao cientista ter a obrigação em relação à integridade do ser humano do futuro. Dessa responsabilidade se depreenderia que o homem não pode tratar com descuido nem o mundo da vida extra-humana, nem a si mesmo.

As bombas mostraram nosso limite em relação ao quanto a ciência é capaz de nos colocar em risco. Todos os que virão têm direito a uma vida autêntica, com rios, mares, ar puro e a convivência com outros seres vivos. É dever de todos nós ensinarmos às futuras gerações para que tenham consciência disso e que possam exigir esse controle. As duas bombas foram recado suficiente para nos alertar. Ou construímos uma nova ética ou um dia o planeta inteiro será Hiroshima, será Nagasaki.


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