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O dilema da educação

Por melhor que fossem os quadros e o discurso político sobre a educação no Brasil, ela de fato nunca foi uma prioridade de Estado


postado em 16/07/2020 04:00 / atualizado em 15/07/2020 20:36

Eduardo Abrunhosa
Historiador, mestre em arquitetura e urbanismo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie


A frase escrita pelo poeta romano Juvenal, quando lida no conjunto do texto em que está inserida, deixa claro que trata-se de uma petição: "Deve-se pedir em oração que a mente seja sã em um corpo são". Mente sadia em um corpo saudável, um ideal buscado desde a antiguidade que, no Brasil de hoje, parece muito distante. Especialmente quando falamos de educação.

Se pensarmos educação como um corpo com suas estruturas, membros, articulações, vias e veias, podemos afirmar que esse corpo realmente nasce em nosso país no ano de 1930, com o decreto de criação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Subordinavam-se ao novo ministério outras temáticas como esporte, cultura, meio ambiente.

Educação, que até aquele momento era encarada no Brasil como uma questão menor, delegada ao Ministério da Justiça, portanto, além de secundária era vista como uma questão de segurança pública.

Em 1953, o mesmo Getúlio Vargas, que 23 anos antes criara o Ministério da Educação e Saúde, agora o desdobra em dois, entendendo que essas duas áreas eram de vital importância para o desenvolvimento social e econômico do país. Ter dois órgãos fortes e focados na construção de políticas públicas estruturantes seria fundamental para que o Brasil tivesse uma população bem formada e minimamente assistida em sua saúde.

A partir desse ponto até ao ano de 1985, temos os projetos e ações educacionais sob a coordenação do Ministério da Educação e Cultura, quando a área de cultura conquista sua autonomia e, desde então, sempre figurando como um ministério ou uma secretaria especial ligada à Presidência da República. Em 1995, o ministério passa a ser somente da Educação, denominação que tem até nossos dias.

São 90 anos a serem completados em novembro, um período em que teve em sua direção figuras como Francisco Campos, intelectual mineiro apoiador do movimento da "Escola Nova"; Gustavo Capanema, o ministro mais longevo (1934-1945), que contou em sua equipe com figuras como Drumond, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, entre outros. Mas podemos falar de figuras igualmente bem formadas e preparadas, ligadas às diversas tonalidades políticas, como Pedro Calmon, Darci Ribeiro, Luiz Antonio da Gama e Silva, Jarbas Passarinho, Eduardo Portella, Maria Esther Figueiredo Ferraz, Marco Maciel, José Goldemberg, Paulo Renato Souza, Cristovam Buarque, Fernando Haddad, Renato Janine, entre tantos intelectuais, professores, figuras públicas comprometidas com o progresso da educação no país, sem fazer aqui juízo de valores ideológicos circunstanciais.

Nesta longa história, políticas afirmativas foram sendo construídas ao longo do tempo e o sistema educacional brasileiro foi ganhando corpo. Entre acertos e erros, foi caminhando lentamente, mas avançando. Medidas sendo revistas, refeitas, implantadas, redimensionadas. De fato, por melhor que fossem os quadros e o discurso político sobre a educação no Brasil, ela de fato nunca foi uma prioridade de Estado.

Se observarmos os dados do Pisa/OCDE 2015, veremos que a média dos países que integram a instituição gasta cerca de US$ 9.600 por aluno, enquanto o Brasil gasta US$ 4.450. Outra questão a ser sublinhada diz respeito ao rendimento escolar, pois países com investimento próximo ao nosso, como o Chile, têm obtido resultados melhores. Não é o caso de transformarmos a análise sobre educação meramente em uma avaliação econômica de investimentos, existem outros diversos elementos estruturais e mentais que precisam ser vencidos para que tenhamos uma outra realidade, como por exemplo aponta o próprio relatório "... o Brasil tem um alto percentual de alunos em camadas desfavorecidas: 43% dos alunos se situam entre os 20% mais desfavorecidos na escala internacional de níveis socioeconômicos do Pisa, uma parcela muito superior à media de 12% de alunos nesta faixa entre os países da OCDE".

Quando esse número salta aos olhos, percebemos que ainda há muito a se fazer e que a questão da educação transcende objetivamente a sala de aula. Enquanto não houver uma política pública de Estado estruturante que articule diversas áreas com foco real no desenvolvimento da população brasileira, continuaremos a perder geração após geração, promovendo a manutenção de uma sociedade excludente, com baixo nível de igualdade social, de oportunidades e de capacidade para romper as amarras que nos prendem ao meio do caminho em direção ao pleno desenvolvimento. Isso não é uma questão simplesmente de ideologia, é uma questão séria a ser enfrentada pelo Estado brasileiro. Não adianta vender a ideia de uma economia livre das amarras estatais se esse mesmo Estado não proporciona condições igualitárias de formação e disputa, não repara os danos históricos que o capitalismo "senzaleiro" imprimiu à sociedade brasileira.

Em 2020, 90 anos depois da criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, encontramos o país sem ministros, por algum tempo, nas duas pastas (Educação e Saúde), com sua política de cultura subordinada a uma dança das cadeiras, o esporte desaparecido, aquelas áreas que integraram o propósito inicial e que levaram 90 anos para se estruturar hoje padecem. Doentes, mergulhados na pior crise sanitária dos últimos 100 anos, doentes pela supervalorização da política de governo sobre a de Estado, carentes de um projeto nacional de avanço efetivo.

A estrutura desse corpo chamado educação padece, com a sua mercantilização que transforma educador em insumo, educando em cliente e formação em bem de consumo. Mas se o corpo vai mal, a mente vai pior ainda. O não investimento no desenvolvimento do conhecimento, a não possibilidade de debate e do contraditório sob risco de acabar registrado nas redes de policiamento ideológico de todas as cores e matizes, constrangem o livre pensar e o livre fazer.

A lógica da fragmentação do conhecimento vai na contramão de um dos princípios básicos da universidade moderna, a inter e transdisciplinaridade estão no DNA do ensino superior contemporâneo. Logo, não é possível imaginar um engenheiro, um médico, um economista, um arquiteto, formado sem o pleno conhecimento da história que o envolve, sem ser capaz de refletir filosoficamente sobre a sociedade. Assim, é fundamental a formação não apenas destes, mas também, de antropólogos, sociólogos, historiadores, de forma a promover uma articulação adequada e profícua das áreas do conhecimento, possibilitando a formação de profissionais que dominem a técnica e entendam a humanidade em que estão inseridos.

Por fim, só resta pedirmos auxílio ao poeta Juvenal e clamar em oração como ele o fez em seu poema, MENS SANA IN CORPORE SANO, que o corpo e a mente da educação sejam curados do mal que hoje lhes acomete!



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