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Estado de Minas

Hora de o MP reagir

A lei inverteu: quer, agora, penalizar criminalmente quem confronta o crime organizado e os desvios dos recursos públicos


postado em 22/04/2020 04:00



Jarbas Soares Junior
Ex-procurador-geral de Justiça de Minas Gerais e ex-conselheiro 
do Conselho Nacional do Ministério Público
 
 
 
Sei que há muito tempo o artista Chico Buarque perdeu a condição que já ostentou no coração de uma grande parte do povo brasileiro, especialmente em razão de seus posicionamentos políticos durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff e da condenação e prisão do ex-presidente Lula. Sem enveredar sobre o mérito das suas opções, o que não é o objetivo deste artigo, a verdade é que temos que tentar separar sempre a obra do artista do cidadão que é. Muitos não conseguem, é normal. Ao meu ver, a obra artística de Chico Buarque tem valor inestimável, de A banda  à Opera do malandro, passando por Rita, Carolina, Olhos nos olhos, O que será que será, Construção etc., tudo é arte, penso assim. Passei a minha infância e juventude ouvindo LPs dele, de Vinicius, Tom, Miúcha, Toquinho, Caetano, Gil, Betânia. Lembrei-me do filho de Sérgio Buarque de Holanda quando, ouvindo nos últimos tempos os colegas do Ministério Público de Minas Gerais, especialmente, deparei-me com um estado de desânimo nunca visto, notadamente ante as campanhas, sem reação a contento, e até aqui vitoriosas, que visam ao descrédito perante o povo brasileiro da instituição que tanto amamos e que nos dedicamos a vida toda. Numa das suas músicas, Chico cantava: "A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão."  É assim que, hoje, grande parcela dos meus colegas daqui de Minas Gerais e do Brasil estão; desgostosos, reclamando, resmungando, sem esperança de grandes mudanças.

Cheguei ao Ministério Público recém-saído da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas, em agosto de 1989, como chefe de gabinete da Procuradoria da República em Minas Gerais. Em maio de 1990 já era promotor de Justiça; vi nascer o novo Ministério Público que a Constituição Federal de 1988 legou à jovem democracia brasileira. De lá até os últimos tempos, não só o Ministério Público, mas também o Poder Judiciário, viveram momentos mágicos, que se seguiram ao projeto nacional de democracia plena, instituições de controle fortes, imprensa livre, garantias de direitos e solidariedade entre os poderes. Após a CF88, seguiram as leis orgânicas dos ministérios públicos, que foram robustecidos com garantias jamais vistas para sua atuação autônoma e independente. Vieram, em seguida, as legislações complementares à CF, com os instrumentos de efetivação dos direitos ali consagrados. Recebemos o ECA, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Crimes Ambientais, a Lei das Organizações Criminosas, entre outras legislações modernas mais à frente.

Durante esse período, tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário alcançaram as suas autonomias administrativa, financeira e funcional, imprescindíveis que eram à sua imparcial atuação. Seguiram crescentes orçamentos para a eficaz prestação dos seus serviços à população. Foram criadas escolas de governo para capacitar os seus membros e servidores para esses novos desafios.

A admiração crescente do povo brasileiro à firme atuação do Ministério Público e dos magistrados, que chegou ao seu ápice durante a Operação Lava-Jato, aliado ao seu fortalecimento institucional, despertou um grande número de jovens bacharéis de direito aos seus quadros funcionais, sempre por meio de difíceis concursos públicos. São, sobretudo, esses jovens que, ao abdicar de outros projetos pessoais, talvez até mais atraentes a longo prazo, que, hoje, são os mais descrentes da opção que fizeram; estão desanimados.

O cume dessa decepção foi a aprovação pelo Congresso Nacional, e sanção presidencial, sem debates razoáveis, da nova Lei de Abuso de Autoridade. A lei criminalizou a atuação de juízes, promotores e investigadores, condutas antes consideradas faltas funcionais sujeitas a graves penalidades, como a demissão, perda da função, suspensão e ressarcimentos. A lei inverteu: quer, agora, penalizar criminalmente quem confronta o crime organizado e os desvios dos recursos públicos. O outro grande desapontamento é essa campanha que visa jogar no colo dos servidores públicos e nas instituições de controle a conta pela má gestão, durante décadas, do Estado brasileiro. Fomos considerados "parasitas" numa declaração infeliz, também por ele reconhecida, do ministro da Economia, Paulo Guedes.

O certo é que há uma campanha orquestrada para desacreditar as carreiras de Estado, especialmente da magistratura e o Ministério Público perante a sociedade, muito justamente fortalecida em razão do tal auxílio-moradia, hoje extinto.
Se a magistratura e o Ministério Publico cometeram erros nesse percurso, certamente mais o MP em razão do seu poder-dever de inciativa, a realidade demonstra que as virtudes foram muito maiores, como bem disse o ministro Sepúlveda Pertence, o procurador-geral da República que liderou o processo de robustez do MP em tempos de Constituinte.

Pois bem, o antes pujante Ministério Público, ousado, corajoso, das crescentes conquistas, deu lugar a um estado de estarrecimento, de descrédito, de desesperança. Aí vem a pergunta: quem ganha com isso? A cidadania?. Não. A população? Não. Apenas quem pretende ver o Ministério Público, como no passado, uma linha acessória do Poder Executivo, sem poder de iniciativa contra a macrocriminalidade que operava livremente.

No entanto, a maior responsabilidade para se reverter essa realidade não é do Parlamento, onde os piores retrocessos são aprovados. Cabe ao próprio Ministério Público reavaliar a sua trajetória, analisar os seus erros e acertos, potencializar as suas virtudes e reconstruir o percurso. Precisamos de um novo projeto de Ministério Público que, sem abdicar de suas tradicionais e novas funções, invista em meios de conciliação e mediação para evitar conflitos desnecessários; um MP que recorra a novas tecnologias para diminuir os seus custos e que promova a sua real unidade institucional em substituição ao individualismo e ao comarquismo ainda existentes, que tão mal fizeram à instituição ao longo dos anos. Os poderes e grande setores da sociedade também clamam, justamente, por um MP que evite a autopromoção de seus membros; o MP é impessoal. Por fim, se virará essa página com a apresentação adequada aos brasileiros – aos detentores de poder inclusive –, das iniciativas que o MP promove diariamente a favor da população. Muitos só veem, ou querem ver, os nossos naturais e humanos equívocos.

Enfim, as instituições, normalmente, passam por altos e baixos, por fases de esgotamento e, depois, de renascimento. A hora que chega é desse soerguimento. Temos membros e servidores capacitados e comprometidos para tanto. Falta apenas idealizar um projeto novo, diferente, planejar e fazer. Ou seja, riscar o fosforo e injetar ânimo na categoria. Daremos a volta por cima, eu acredito!



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