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Estado de Minas

Coronavírus: implicações penais da fuga de tratamento


postado em 15/03/2020 04:00

Thais Pinhata
Advogada da área criminal do Franco Advogados, doutora em direito penal e autora do livro Direito médico preventivo – Compliance penal na área da saúde

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro concedeu, em 28 de fevereiro, ao município de Paraty, o direito de manter em internação hospitalar um casal de franceses que são suspeitos de ter contraído o coronavírus (COVID-19). O poder municipal buscou o Judiciário quando o casal insistiu em deixar a unidade de saúde onde eram mantidos em isolamento, em conformidade com os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Além desse, outros casos de possíveis infectados tentando abandonar o isolamento vêm sendo registrados. Essas fugas, que rapidamente viram motivo de piada na internet, podem ser gravemente penalizadas.
 
O Código Penal brasileiro estabelece, no título dos crimes contra a saúde pública, ao menos dois tipos penais aos quais estariam sujeitos os pacientes infectados que fujam dos hospitais e também aqueles que optem por, apresentando os sintomas, não procurar as entidades de saúde, sendo eles o crime de infração de medida sanitária preventiva e o crime de epidemia, respectivamente. Ademais, podem ser penalizadas condutas como postar e circular informações falsas sobre a doença, desde que essas informações possam levar ao cometimento dos crimes citados.
 
A infração de medida sanitária preventiva, prevista no artigo 268 do Código Penal, deve ser entendida como a violação de “determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, se aplica à quebra dos protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, entre os quais está o isolamento desde a suspeita de infecção. Aqueles que não a respeitem submetem-se a penas de detenção, de um mês a um ano, e multa.
 
Em casos mais graves, poder-se-ia entender pela persecução penal do crime de epidemia, previsto no artigo 267, que, tratando-se de crime hediondo, possui penas muito mais elevadas que o anterior, sujeitando-se aquele que o comete à reclusão de 10 a 15 anos. Aqui, se faz necessário saber-se ou poder saber-se doente. Ainda que o crime preveja modalidade culposa, parece pouco razoável aplicá-lo àquele que não poderia saber ser portador do vírus.
 
Ambos os crimes são considerados de perigo abstrato, ou seja, não há necessidade de contaminação real comprovada, dado que o bem que se visa proteger é incolumidade pública, considerando-se o perigo decorrente da difusão de epidemias ou da propagação de doenças, que põem em risco à saúde de indeterminado número de pessoas.
 
As penalizações previstas pelo código não são despropositadas, visto que a saúde deve ser encarada como uma questão coletiva. É bem verdade que o mundo contemporâneo tem como marca o crescente individualismo, que se caracteriza na saúde como uma demanda pela liberdade de escolha e autonomia na gestão de riscos individualmente. Essa postura, associada a uma diminuição contínua na confiança em instituições públicas de saúde, em menor escala, e em maior escala na ciência médica como um todo, justificada em uma desconfiança com a possível interferência ou manipulação por interesses comerciais, compromete diretamente a possibilidade de desenvolver políticas públicas sólidas e abraçadas pela população coletivamente.
 
De toda forma, a lição que fica é: vale respeitar não apenas a legislação, mas sobretudo os conselhos médicos, cuidando-se para não apenas evitar uma punição desnecessária, como principalmente proteger-se e proteger os demais.


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