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Do lado de quem?

Sabe-se do risco de se apegar a um determinado lado, achando-se no direito de ser indiferente e até de odiar os que estão em outro lugar


postado em 24/01/2020 04:00


Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

“Do lado de quem você está?” Eis uma interrogação que provoca e contribui para revelar configurações partidárias que presidem relacionamentos. Inscreve-se nesse questionamento a tentativa humana de demarcar lugares – o que, por vezes, evidencia velada pretensão de poder, que também se assenta na segurança do corporativismo dos aliados. A definição de “lado” hospeda a ilusória sensação de se estar “em casa”, confortavelmente, sem adversários por perto. Um equivocado sentimento de segurança que, não raramente, se fundamenta nas configurações sempre frágeis e limitadas de uma ideologia qualquer.

A interrogação – “do lado de quem você está?” – alimenta ainda a curiosidade, um dos fermentos nas disputas. Esse questionamento cabe, na medida certa, quando se trata de torcidas esportivas ou disputas partidárias, até mesmo do discernimento sobre interesses que se têm. Quer-se sempre saber o “lado” daqueles que exercem altos cargos nas esferas públicas e privadas, de pessoas com significativa projeção social e política, dos formadores de opinião. Mas é importante sublinhar: o desmedido apego à questão “do lado de quem você está?” pode impedir a vivência da unidade, que exige a inclusão da diferença, possibilidade real de enriquecimento em todos os aspectos.

E, para a superação de possível morbidez quando se move somente pelo que é partidário – considerando cenários da política, por exemplo – é preciso responder à questão sobre “o lado de quem você está” de forma diferente. Tomar partido em variados campos, a exemplo da política, pode ser força propulsora na sociedade, mas não se deve buscar apenas defender e reforçar determinado “lado”, ideologia ou discurso que privilegia a identificação de alguma referência simbólico-cromática.

“Do lado de quem você está?” É possível uma resposta diferente, ao se lançar olhar atento e interessado sobre a sociedade, identificando os seus cenários, no exercício qualificado da cidadania: estar junto dos mais pobres, condição que alicerça o humanismo solidário. E os discursos que comprovadamente estão do lado dos pobres ultrapassam umbrais de academias ou de diretórios partidários, pois sempre serão seguidos de hábitos, de gestos e de atitudes dedicados aos que mais sofrem. Essa prática testemunhal, sem risco de simplesmente reforçar ou requentar falas, é o verdadeiro lado – sem a parcialidade que apenas gera divisões entre grupos e pessoas. Ao invés disso, estar com os pobres sustenta a unidade.

A prática testemunhal, na proximidade junto aos que mais precisam, sinaliza distanciamento de lógicas perversas: a busca por acumular sempre mais riquezas sem ter a coragem de dedicar-se à partilha, à generosidade; o apego ao privilégio de integrar instâncias de decisão e exigir, dos outros, somente dos outros, a adoção de rumos novos. A prática testemunhal guarda a força da coerência necessária para a superação de todo tipo de exclusão e de preconceito. Sabe-se do risco de se apegar a um determinado lado, achando-se no direito de ser indiferente e até de odiar os que estão em outro lugar. Esse apego é característica dos que apenas querem justificar privilégios, alcançar comodidades tranquilizadoras da consciência de seu próprio grupo, ampliar espaços de atuação, inclusive misturando religião e opções confessionais com interesses políticos espúrios.

A interrogação intrigante “de que lado você está?” continuará a ser repetida, e mal ou bem respondida, até que um qualificado tecido civilizatório se constitua e a cidadania não seja pautada pelas parcialidades, nas hegemonias, mas na unidade edificada e mantida pela justiça. Hoje, diante da ausência de entendimentos mais lúcidos, torna-se importante identificar “lados” para, a partir do convencimento, promover adesões ao caminho que leva a correções dos funcionamentos da sociedade, dominada pelo consumo e pela ganância.

Esse rumo a ser buscado exige a clareza para compreender que vale menos o lugar ocupado a partir do campo ideológico. O importante é estar junto dos pobres, assumindo um lado que exige coragem para defender direitos e promover a justiça, o território da solidariedade. Nesse horizonte, a partir da tarefa, compartilhada por todos, de se construir um mundo melhor, pode valer a sugestão de substituir a intrigante interrogação “de que lado você está?” por um exercício de autorreflexão. Avaliar, para além das ideias, a própria participação na mudança requerida. Assim, torna-se possível responder, com mais clareza, a nova interpelação: “Em que lugar você está?”.


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