Jornal Estado de Minas

Herança para as próximas gerações

Mariana Luz
CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal

Você já imaginou que as experiências que os seus pais tiveram quando crianças podem ter influenciado geneticamente quem você é hoje? Diversos estudos recentes sobre epigenética – área da ciência que estuda como o ambiente pode afetar a expressão dos genes – apontam que as experiências vividas, sobretudo na primeira infância, podem alterar o comportamento do nosso DNA. Os pesquisadores afirmam ainda que algumas dessas modificações podem até ser transmitidas de uma geração para outra.



Portanto, se antes o debate estava entre genética versus ambiente, o que era mais determinante para ditar o comportamento das pessoas, hoje a discussão é outra. Os cientistas querem saber até que ponto o que vivemos na infância ou mesmo antes de nascer, durante a gestação, pode deixar marcas nos genes e influenciar, positiva ou negativamente, comportamentos e habilidades.

Sabemos que crescer em um ambiente acolhedor, harmonioso e rico em experiências positivas é fundamental para o bem-estar da criança hoje e para que ela tenha um futuro com mais possibilidades. Por outro lado, viver em uma atmosfera ameaçadora, permeada pela violência, pobreza, abuso e negligência pode ajudar a produzir alterações que afetam negativamente a criança por toda a vida.

As novas evidências científicas reforçam o senso de urgência para a implementação de políticas e práticas voltadas à primeira infância, em especial diante do atual cenário que mostra que uma em cada três crianças de até 6 anos vive na pobreza ou extrema pobreza no Brasil. O contínuo estresse na infância está diretamente relacionado ao aumento do risco de doenças físicas e mentais.



Por isso, devemos enxergar essa fase da vida como uma janela de oportunidades para mitigar os efeitos nocivos de um ambiente tóxico. Vou além: o investimento em políticas de apoio às famílias e em educação infantil de qualidade é o caminho para a real diminuição da desigualdade e a quebra do ciclo de pobreza das famílias brasileiras.

Entre as diversas estratégias possíveis, o poder público deve focar em levar mais informação para pais e adultos próximos à criança, por meio de programas e serviços que valorizem o estímulo, a interação e o vínculo. A visitação domiciliar é um exemplo de política nesse sentido. Em diferentes países, esse tipo de iniciativa tem se mostrado eficiente para promover a saúde e o desenvolvimento humano.

Desde 2016, temos no Brasil o Programa Criança Feliz, do governo federal, que se baseia exatamente nesse tipo de estratégia. Além dele, existem outras iniciativas municipais e estaduais com a mesma proposta que podem ajudar a inspirar outros gestores. O que se espera desse tipo de programa é informar os cuidadores sobre a importância da primeira infância e estimular o cuidado responsável e amoroso dentro de casa.



Outra estratégia para garantir que as crianças tenham boas experiências no começo da vida e isso se reflita em um futuro melhor é a priorização do investimento em educação infantil de qualidade, com bons profissionais, ambientes e materiais apropriados.

Além de oferecer as condições básicas de sobrevivência às crianças brasileiras, como estratégia de futuro da sociedade, temos que garantir a todas elas a possibilidade de alcançarem o desenvolvimento pleno, em termos físicos, cognitivos e socioemocionais. Se restavam dúvidas, a epigenética está aí para mostrar que investir em políticas que cuidem da criança e apoiem suas famílias para que tenham condições de oferecer aos seus filhos um ambiente seguro, acolhedor e afetuoso é a melhor escolha. Cada dia na primeira infância conta muito e seis anos passam rápido demais.