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Triunfo de nulidades?


postado em 15/11/2019 04:00 / atualizado em 14/11/2019 18:11

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

A dolorosa visão de cenários desfigurados e perversos na sociedade contemporânea faz brotar forte indagação: há triunfo das nulidades?. Pode parecer uma perspectiva dramática ou pessimista, mas é real. Não é exagero constatar que esse triunfo, lamentavelmente, está em curso. Considerar, cotidianamente, os desatinos que ameaçam a humanidade e a conduzem, com velocidade, rumo a precipícios é uma urgência. Afinal, muitas vezes, não é possível retornar do fundo do abismo, ou é necessário longo prazo para a recuperação. Ao mesmo tempo, as urgências humanitárias e civilizatórias exigem respostas imediatas. Não se pode mais suportar pesos, sofrimentos e descompassos que atingem, frontalmente, o bem comum e ferem a humanidade. Por isso mesmo, é preciso mais cuidado e responsabilidade para mudar essa realidade, o que exige dos cidadãos e cidadãs a remodelação de atitudes – de hábitos domésticos até decisões em instâncias que impactam os muitos processos da vida.

Vê-se o crescimento da indiferença, acompa- nhado de descuido proposital e perverso na vivência de valores, no respeito a princípios, o que torna as pessoas potenciais avalanches demolidoras, umas passando por cima das outras. O resultado: a devastação moral, física e humanitária com altos preços a pagar. Diante disso, é cada vez mais  atual a expressão iluminada de Rui Barbosa, ainda no início do século passado, com força de repreensão, ao dizer que tinha vergonha de ser honesto de tanto ver triunfar as nulidades, prosperar a desonra, o crescimento da injustiça, com o agigantar-se dos poderes nas mãos dos maus. Assombra, hoje, a naturalidade com que o mal é aceito, destruindo, sorrateiramente, o indispensável humanismo e a envergadura moral necessária ao exercício de responsabilidades.

Todos os processos da vida pessoal, familiar, profissional, religiosa e cidadã estão contaminados pela banalização do mal. Para além da abordagem filosófica – se o mal é dotado de um ser –, considera-se que o pensamento moderno questiona a sua existência. Também por isso, a humanidade paga na própria pele os seus efeitos desastrosos. O mal faz troças da racionalidade humana, que, sozinha, não consegue enfrentá-lo e reverter quadros, mudar situações e requalificar indivíduos. Mais que um problema, o mal é um mistério a ser afrontado, com humildade e atenção, para, especialmente, o ser humano não se tornar agente da maldade e seguir na direção oposta à condição de cada pessoa: a dignidade maior de ser filho e filha de Deus – que é bom, porque é amor.

As diferentes corrupções que enlameiam a sociedade têm suas raízes no mal. Sua perigosa banalização vai ganhando, avassaladoramente, a regência da vida. Com isso, o mal passa a definir as dinâmicas da sociedade, com força de convencimento, para fazer, por exemplo, que se considere verdade o que é mentira. Narrativas do evangelho a respeito da tentação sofrida por Jesus no deserto sublinham a fragilidade da condição humana e apontam o caminho experiencial de sua supe- ração. Essa perspectiva merece a atenção de toda a sociedade para, seguindo o exemplo de Jesus, se debelar o crescimento assustador do poderio do mal. Ao ser desconsiderado, o mal se apresenta como única alternativa, desvirtuando a verdade e o amor, comprometendo a paz social e a justiça. A força do mal é tão incidente que perverte até mesmo religiosos, distanciando-os da conduta espe- rada dos que professam a fé. Quem crê, autenticamente, pauta a própria vida, seus atos e momentos na verdade e no amor, desdobrados em solidariedade fraterna e em testemunho de uma realidade que ultrapassa o tempo, o espaço e as ideias – o reino de Deus. Vive, neste tempo, o so- nho e a luta para efetivar as lógicas do bem.

Por onde caminhará, com a banalização do mal, a defesa da justiça? Os argumentos advocatícios passam a ser tarefa irracional, com agressividade e até sem o mínimo senso de civilidade. Permite-se defender o indefensável, fazer valer a mentira como verdade. A força do mal seduz os operadores da sociedade nos seus diversos campos de ação e produção. Faz valer a lógica da ganância e do lucro, com justificativas que comprovam o poder do mal. As instituições ficam à mercê de interesses espúrios, seus atores e  responsáveis, incapacitados.

O tecido humanístico, carcomido pelo mal, for- talece lógicas que negam a preciosidade do dom da vida. E a cidadania sofre, pois se vê privada da qua - lidade indispensável de urbanidade. Cada um se reveste de uma condição voraz e, permitindo-se passar por cima de tudo e de todos, provoca o caos social e político. A sociedade está desafiada a comba- ter a forma como tem assimilado o mal, a lutar por investimentos ético-morais em princípios e valores, por práticas que amansem o coração humano. Assim, será alcançada a competência exigida neste momento da história, único caminho para se conter, com urgência, o triunfo de nulidades.


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