Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
A primeira coisa que o homem faz, juntamente com os seus semelhantes, é produzir para viver. Produzindo, convivem. O modo de conviver vai depender, então, do modo como produzem. Não são, ou foram, as sociedades "caçadoras", diversas das sociedades "pastoras", no modo como se estruturaram?
Ao produzirem para viver, os homens usam instrumentos, agregam experiências que, em última análise, decidem sobre o tipo de relações que haverão de manter entre si. O homem é, antes de tudo, um ser de necessidades ou “homo necessitudinis”. Para satisfazer as suas necessidades básicas, sempre presentes, tem de agir, isto é, trabalhar. Eis o “homo faber”. Destarte, para satisfazer as suas necessidades, o homem "trabalha" a natureza, humanizando-a.
Fenômeno do mundo da cultura, o direito está, inegavelmente, enraizado no social. Contudo, embora o discipline, paradoxalmente é um seu reflexo. Isto porque é radicalmente instrumental.
Da vida em sociedade brota o direito.
Os critérios e valores que informam, historicamente, a construção das "legalidades vigentes" trazem a marca dos interesses concretos, até mesmo conflitantes, que do fundo mais profundo da sociedade emergem à luz colimando "formalização" e "juridicidade". Trata-se, então, de dar "forma", "eficácia" e "vigência" a prescrições que se reputam "certas" e "necessárias" à convivência humana e à "ordem pública". Tudo isso é feito através de "instituições" que repassam para a ordem jurídica os conflitos de interesses existentes no meio social. O Estado, assim como o direito, são instrumentos de compromisso.
A cada sociedade corresponde uma estrutura jurídica. O direito da velha Atenas não serviria, é intuitivo, à moderna sociedade americana. Uma sociedade cuja estrutura de produção estivesse montada no trabalho escravo – o que ocorreu até bem pouco tempo – não poderia sequer pensar em capitalismo e, consequentemente, em viabilizá-lo através de um direito do trabalho baseado no regime de salariado. Sem dúvida, o homem é quem elabora os sistemas sociais e o próprio direito, e isso lhe é dado fazer porque é dotado de inteligência, consciência e vontade. No mundo cultural, nada sucede a não ser através do psiquismo do Homo sapiens. Mas, antes dele, há o "homo faber" e, antes deste, o "homo necessitudinis".
Quem pensa, e age, e constrói o mundo cultural, o mundo do direito, é o homem, não o "homem-em-si", mas o homem real, o homem concreto. O "eu", já o disse o jusfilósofo, "é uma relação", "relação com o mundo exterior, com outros indivíduos".