A compreensão da vida e do ser humano, a partir de qualificada perspectiva antropológica, deve iluminar a compreensão do verdadeiro sentido do trabalho e da genuína atribuição do trabalhador. Esse entendimento deve passar longe da ganância alimentada pela idolatria do dinheiro, com suas forças perversas, e da lógica da indiferença, que caracteriza a chamada economia de mercado. Compreender o correto sentido do trabalho e do trabalhador exige enxergar para além dos números. Quando somente as estatísticas e os balanços são considerados, há o risco de se ignorar a indicação do papa Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium – Alegria do Evangelho: não à economia de exclusão, não à nova idolatria do dinheiro, não ao dinheiro que governa em vez de servir e não à desigualdade social que gera violência.
Sem adequada leitura da realidade, deixando-se envolver somente pelo valor do dinheiro, a sociedade continuará a sofrer com a exclusão social e com a corrupção endêmica. O ideal é o exercício da cidadania a partir do respeito incondicional à vida, reconhecendo a sua sacralidade, em todas as suas etapas, da fecundação ao declínio, com a morte natural. E, nesse caminho, deve-se retomar o dever sagrado do ser humano, que vem dos primórdios: cultivar a terra, promover o desenvolvimento integral e sustentável.
A narração bíblica da criação do homem e da mulher, à imagem e semelhança de Deus, traz importantes lições sobre a verdadeira missão do ser humano. Deus, o criador, atribui ao homem e à mulher a responsabilidade de proteger e se dedicar ao mundo – o mundo de Deus – sob o horizonte insubstituível do amor. Assim, todos devem viver como irmãos e irmãs uns dos outros.
O sentido do trabalho passa a ser desvirtuado quando a humanidade sucumbe-se à tentação de alcançar domínio absoluto sobre todas as coisas, sem respeitar a vontade do Criador. Consequentemente, idolatrias de todo tipo são alimentadas, especialmente a que supervaloriza o dinheiro. A partir desse momento, começa a exploração das pessoas – uma perversidade, completo desrespeito à sagrada dignidade da vida. Abre-se, também, o caminho que leva ao tratamento predatório do meio ambiente, sob o véu de um falso desenvolvimento. E a ganância sem limites submete todos ao caos, inclusive os que detêm a riqueza e o poder.
É preciso retomar o significado do trabalho, inspirando-se nos ensinamentos de Jesus, operário por excelência, em amorosa obediência ao desígnio de seu Pai.
Percebe-se, assim, que o trabalho deve ser caminho para cada pessoa exercer a sua vocação e se realizar. É preciso, pois, compreender-se como servidor – estar a serviço da vida de todos. Vale superar o comportamento mesquinho de apenas buscar o atendimento a interesses meramente particulares e experimentar a alegria de ver, na felicidade e realização do outro, que é irmão, o fruto do próprio trabalho. Em uma sociedade em que milhões sofrem sem trabalho, claro desrespeito à dignidade humana, permanece diante de todos o seguinte desafio: para além de números e interesses financeiros, conquistar a fecunda e qualificada compreensão a respeito do trabalho e do trabalhador.
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