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Minicérebros humanos e o autismo

Alysson R. Muotri Ph.D., professor da Faculdade de Medicina e diretor do Programa de Células-tronco da Universidade da Califórnia, e sócio-fundador da startup de biotecnologia Tismoo


postado em 02/04/2019 05:06

A criação de minicérebros humanos em laboratório a partir de células-tronco é um dos fenômenos mais interessantes da neurociência moderna. Essa nova ferramenta promete uma grande transformação no tratamento de doenças neurológicas e genéticas, gerando uma revolução na medicina.
 
Formados a partir de células-tronco pluripotentes, reprogramadas de células periféricas (sangue, polpa de dente, pele etc.) do próprio indivíduo, esses minicérebros (ou organoides cerebrais) são criados em biorreatores de laboratórios, seguindo uma complexa receita química. Cada passo é importante e, desta forma, é possível recapitular o desenvolvimento neural embrionário da pessoa, só que in vitro. Muito da técnica ainda é empírico, pois as células-tronco fazem a maior parte do processo sozinhas: se auto-organizam em estruturas cerebrais tridimensionais de forma espontânea, seguindo as instruções genéticas codificadas pelo genoma do indivíduo.
 
A similaridade anatômica dos organoides com o cérebro humano impressiona, mas ainda é uma versão miniatura, com cerca de meio centímetro. As estruturas são pequenas porque ainda não temos vascularização para manter os minicérebros crescendo por muito tempo. Hoje, conseguimos mantê-los em cultura por um a dois anos. Depois disso, observamos que o centro das esferas se torna escuro, um sinal de que as células estão morrendo devido a falta de nutrientes que só chegam por difusão. No entanto, cientistas já estão criando estruturas de circulação artificiais usando bioimpressoras, semelhantes a veias e artérias, que irão irrigar o interior desses minicérebros e permitir seu crescimento.
 
Mas a escala menor também tem suas vantagens. Podemos criar, literalmente, milhares de minicérebros de uma única só vez e mantê-los em pequenas placas. Esses organoides podem ser usados para descobertas de novos medicamentos em plataformas miniaturizadas que permitam a comparação paralela simultaneamente. Esse tipo de escala é passível de automação, modelo preferido pelas indústrias farmacêuticas. Além do teste de drogas para eventuais doenças neurológicas, esse modelo também permite uma análise do impacto de drogas ambientais (toxinas, fertilizantes etc.) no desenvolvimento embrionário humano. Nosso laboratório na Universidade da Califórnia, por exemplo, já consegue dizer rapidamente se existem toxinas que afetariam o cérebro embrionário em determinada amostra ambiental, fornecendo um selo de qualidade que deverá ser obrigatório para todos os futuros produtos, artificiais ou não, em alguns anos. É claro que o modelo também tem limitações, afinal os minicérebros não funcionam em um sistema interconectado com outros tecidos (sistema imune, por exemplo), mas acredito que muitas delas serão resolvidas em um futuro próximo.
 
Apesar das promessas em torno dos minicérebros, tudo isso ainda é muito caro para ser aplicado de uma forma personalizada. Por outro lado, felizmente, a ciência dá saltos. No ano passado conseguimos reduzir o custo dessa tecnologia de forma considerável, possibilitando a criação de minicérebros de até 100 pessoas de uma só vez. O novo método permitirá estudar condições neurológicas geneticamente complexas, como o autismo idiopático.
 
E foi com esse modelo que também descobrimos que os neurônios de minicérebros derivados de indivíduos autistas estabelecem um número menor de conexões nervosas (contatos sinápticos) comparado ao grupo controle (minicérebros derivados de neurotípicos). Essa alteração sináptica, provavelmente, também está relacionada aos sintomas clínicos dos pacientes. O próximo passo agora é encontrar uma forma de corrigir os defeitos sinápticos nos minicérebros dos autistas, o que será feito em parceria com a Tismoo, que vai iniciar a operação do seu laboratório para modelagem celular funcional na Europa ainda este ano. É um excelente ponto de partida para futuros ensaios clínicos.
 
Como quase sempre, a ciência avança de forma não linear e, muitas vezes, nos pega de surpresa, sem deixar muitas chances para a reflexão sobre aspectos fundamentais dos dados gerados. Então, uma pergunta interessante e provocativa para a área científica no momento atual seria: esses minicérebros teriam a capacidade de pensar ou teriam consciência da própria existência em uma placa de petri.? A resposta é que, apesar de rudimentar, as estruturas cerebrais estão lá, principalmente regiões do córtex frontal, responsáveis por uma série de funções cognitivas altamente sofisticadas. Seriam essas redes nervosas o princípio da consciência humana? Se sim, quais seriam as implicações éticas dessa tecnologia? Deixando de lado as questões filosóficas e éticas, acredito que esse novo modelo, associado a informação genética individual, trará a medicina personalizada para mais perto dos autistas e outros portadores de transtornos neurológicos.


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