A cena do rio de lama de rejeito de mineração e toxicidade a avaliar, arrastando tudo que estava no seu caminho, causou profunda tristeza em todos nós. A terra literalmente vomitou aquilo que não lhe pertencia e escancarou nossa incompetência para o mundo. Enquanto assistia ao noticiário, me perguntava quanto daquela lama me pertencia e o que esse desastre humano, ambiental e animal nos diz de nosso modo de viver.
Um dos princípios-chave da ecologia são os processos cíclicos. Na natureza, há produção de resíduos, entretanto, o que é resíduo para um organismo é alimento para o outro. Logo, não há "lixão" no mundo natural, muito menos barragem para conter rejeitos. Entre nós, ao contrário, os processos são lineares. Extraimos um bem natural, aproveitamos parte, descartamos em algum lugar o que não nos interessa.
O complexo do Paraopeba, onde estava a barragem da mina do Córrego do Feijão, produzia minério de ferro, principal produto da Vale, que também produz minério de manganês, carvão, níquel, cobre, cobalto e ouro. Os minerais, em geral, são utilizados nas estruturas de edifícios, aviões, cabos elétricos, celulares, carros, geladeiras etc. Ou seja, o conforto que demandamos e do qual não abrimos mão exige a existência de mineradoras e, consequentemente, a produção de rejeitos. Queremos equipamentos eletrônicos de "última geração", mesmo sabendo que ao sair da loja já estará ultrapassado? Sim! Então, onde fica a "barragem" para tanto resíduo eletrônico? Segundo dados da United Nations Evnironmente Programme (Unep), das Nações Unidas, até 90% desse lixo são despejados de qualquer jeito no continente africano, sem nenhum critério ou respeito pelas pessoas ou pela natureza, pois custa mais barato do que reciclar, devidamente, no mundo industrializado de onde se originam. Nesse sentido, temos parte nesse rejeito.
Grande parte daquilo que compramos não tem relação alguma com aquilo que, de fato, iremos consumir ou mesmo precisar.
Precisamos nos alimentar, entretanto, um terço da produção mundial de alimentos vai para o lixo em algum momento do processo de colheita até chegar à mesa. Isso equivale a 1,3 bilhão de toneladas por ano, o suficiente para alimentar todo o continente africano, segundo relatório das Nações Unidas (2011). Isso me faz lembrar que tenho parte nesse rejeito.
A tragédia de Brumadinho chega em um momento crítico para o meio ambiente quando, lamentavelmente, ouvimos ameaças de ampliar o desmatamento para monoculturas até na Amazônia; do Brasil sair do Acordo de Paris; de aprofundar a submissão da política ambiental às políticas da agricultura; da indicação de nomes da bancada do agronegócio para setores estratégicos em relação à preservação do meio ambiente; da abertura das reservas naturais e indígenas em favor da agricultura e da mineração; críticas às normas ambientais consideradas rigorosas demais e o fim das multas ao setor agrícola. A morte dos rios já denúncia este caminho suicida. Em nome de todos e de tudo aquilo que deixou de existir em Brumadinho, pessoas, animais, árvores, rios e histórias, possamos despertar para ouvir os gemidos da natureza e nos colocarmos com urgência em sua defesa..