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O olhar triste de uma vaca presa na lama


postado em 04/02/2019 05:09

A tragédia que matou mais de 100 pessoas, centenas, milhares de animais de pequeno e grande portes, que destruiu povoados, que poluiu rios, margens de rios, estradas, cidades, que pela segunda vez, em menos de quatro anos, coloca nossa Minas Gerais machucada, ferida, aleijada, desfigurada nas manchetes de jornais e TVs de todo o mundo não foi provocada apenas pelo rompimento de uma barragem precária de terra e de rejeitos de minério. Tem muito mais  responsáveis/irresponsáveis causadores, governantes, parlamentares, entidades, riquíssimos dirigentes de empresas bilionárias em faturamento e de poder de corrupção.
É tanta gente que fica difícil resumir. Na liderança está a empresa causadora de tudo, a "Companhia Vale do Rio Doce", como era chamada na época de sua criação, em 1942, no governo de Benedicto Valladares, pelo secretário de Agricultura Israel Pinheiro, seu primeiro presidente, de 1942 a 1946. Que escolheu para sucedê-lo o engenheiro Eliezer Batista, considerado um gênio na sua área. A Vale cresceu, enriqueceu, foi privatizada de forma espúria, perdeu o respeito por suas raízes minerais mineiras, e virou o monstro de ganância que é hoje.
No mesmo nível de culpabildade estão os governos federais e estaduais dos últimos 15 anos, ou mais. Permitiram a exploração irresponsável, não fiscalizaram como deveriam, se omitiram em face dos abusos cometidos. Ministros, secretários estaduais, funcionários públicos do primeiro e segundo escalões, técnicos e engenheiros da mineradora e de suas contratadas devem ser investigados, e punidos, se comprovada sua responsabilidade no que tem acontecido.
Fazer economia para lucrar mais, em prejuízo da segurança indispensável, na construção de barragens, permitir que engenheiros/arquitetos desatentos ou despreparados localizem escritórios e refeitórios em áreas de risco, abaixo da represa de terra, frágil estrutura sujeita a rompimento fácil, e não  impedir a ocupação de espaços sujeitos a tragédias por moradores e comerciantes vizinhos, constituem infrações legais que exigem apuração e punição.
Dilma Rousseff também deve ser punida, se a informação for verdadeira. Depois do rompimento da barragem de Mariana, que matou 19 pessoas, a então "presidenta" fez incluir, a pedido ($$$) das mineradoras, em decreto que assinou, parágrafo considerando como de causa "natural" o rompimento de barragens. Ou seja, isento de responsabilidade civil/criminal, humana e empresarial. O máximo de desatino!
E mais: substitutivo do deputado estadual João Vitor Xavier (PSDB), em projeto de lei que impediria a construção de barragens de terra, além de outras medidas de segurança, foi rejeitado, dizem que por pressão das mineradoras que subvenciam parlamentares, alguns deles com  milhões de reais, por 3 votos a 1, em julho de 2018, na Comissão de Minas e Energia da Assembleia. Votaram contra os deputados Thiago Cota (MDB), Gil Pereira (PP) e Tadeu Martins Leite (MDB).
Para coroar o festival de insanidade, três registros. 1) Uma delegação de soldados israelenses, especializados em resgatar vivos e mortos em soterramentos, chegou há dias para ajudar. Diz ter sido mal recebida pelos mineiros. Sem contar com nenhum apoio, voltou quinta-feira, lamentando o tratamento pequeno e mesquinho que lhe foi dado. 2) O comando militar da área alagada autorizou o abate, por atiradores a bordo de helicópteros, que brincavam de tiro ao alvo, de todos os animais encontrados no lamaçal. Covardia. 3) Um grupo de veterinários, voluntários, deslocou-se para Brumadinho para tentar salvar da morte vacas, bois, cães, gatos e micos presos na lama. Foram impedidos de  trabalhar pelo comando dos bombeiros. Argumento: nossa missão é salvar pessoas e resgatar mortos. Pergunta óbvia: o que tem uma coisa com a outra?. São atividades paralelas, uma não prejudica a outra, bombeiros, com sacrifício e heroísmo, salvando vidas e resgatando mortos; veterinários piedosos resgatando animais presos no lamaçal, mas ainda vivos. A ordem absurda durou dois dias. No terceiro, diante do protesto de moradores e jornalistas, os veterinários puderam iniciar a nobre missão.
Uma vaca, filmada todos os dias pelas tvs, apenas com a cabeça e parte do corpo fora da lama, mas viva e olhando como pedindo soccorro, foi a primeira tentativa de salvamento. Era preciso tirá-la da lama ferruginosa e grudenta. Com a força dos braços não conseguiram. Lá da vala em que caíra, ela acompanhava tudo com o olhar triste. Os voluntários pediram a ajuda de um helicóptero que estava nas proximidades. Com uma corda, seria possível soltar e levantar alguns centímetros do lamaçal seu corpo desidratado, emagrecido. Uma tábua  estava preparada para transportar o pobre animal até a margem seca.
Mais surpresa: o piloto do helicóptero foi proibido de prestar a ajuda solicitada. Os heroicos veterinários, emocionados, tentaram novamente levantá-la. A lama pegajosa grudara no seu pelo. A noite já se aproximava, o sofrimento não era apenas dela, demonstrado pelo seu olhar triste, mas de todos os que presenciavam a cena. Impotentes, exaustos, solitários no esforço inútil, a eles não restou outra saída a não ser a de acabar com a lenta e dolorosa agonia do pobre e indefeso animal, um ser vivo como nós todos, suposta e nem sempre humanos. Uma injeção letal marcou, com mais uma cruz, a tragédia de Brumadinho.
Será difícil para os que acompanharam a cena esquecer aquele olhar de dor e  sofrimento, com que, até o suspiro final, ela acompanhava, como se procurasse entender o que de impiedade acontecia em seu entorno. Aquele olhar, aquele último olhar, certamente vai ferir e acompanhar até o fim da vida, condenando-os, os responsáveis pelo ato que me permito classificar, justamente revoltado, como criminoso e desumano.


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