Jornal Estado de Minas

SAÚDE

STJ decide se planos de saúde são obrigados a cobrir apenas lista da ANS

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve retomar nesta quarta-feira (23/2), o julgamento de dois recursos para definir se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória para os planos de saúde, instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é exemplificativa ou taxativa. Na prática, os ministros devem definir se as operadoras são ou não obrigadas a cobrir o que não está no rol de procedimentos da ANS. 





 

 


O entendimento dos tribunais nos últimos 20 anos é de que a interpretação deve ser mais ampla. Assim, a justiça considera que a lista de procedimentos deve ser uma referência mínima ou exemplificativa, e em geral, entende que a obrigatoriedade de cobertura está além do rol.

O caso chegou ao STJ após uma divergência entre turmas do tribunal sobre o tema. A decisão é importante porque servirá como precedente para instâncias inferiores.

O julgamento teve início no ano passado, com o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, pela taxatividade da lista da ANS. Ele alegou que a elaboração do rol tem o objetivo de proteger os beneficiários de planos, garantindo a eficácia das novas tecnologias adotadas na área da saúde. Porém, o ministro ressalvou hipóteses excepcionais em que seria possível obrigar uma operadora a cobrir procedimentos não previstos na lista. 

O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista da ministra Nancy Andrighi, que discorda de Salomão. Ela será a primeira a votar nesta quarta-feira. Em um julgamento de abril do ano passado, ela considerou abusiva qualquer norma infralegal que restrinja a cobertura de tratamento para doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial de Saúde.





Risco para tratamento de pessoas autistas e com outras doenças 


Se o entendimento do STJ for pela taxatividade do rol da ANS, haverá mudança na jurisprudência em vários tribunais, com repercussões sobre ações em curso contra operadoras de saúde para garantir a cobertura de terapias e procedimentos negados.

Além disso, a mudança daria às operadoras de planos de saúde o direito de negar aos pacientes tratamentos que ainda não façam parte da lista da ANS, mesmo que tenham sido prescritos por médicos e com eficácia comprovada. 

Exame diagnóstico para diferentes tipos de câncer, imunoterapia, cirurgia intrauterina para fetos, terapia que ensina habilidades específicas para pessoas com autismo (ABA) - com custos entre R$ 8 mil e R$ 10 mil por mês - além de canabidiol para casos de epilepsia refratária são alguns dos procedimentos que não seriam mais obrigatórios de cobertura para os planos de saúde. 





Mobilização nas redes sociais


O apresentador Marcos Mion começou uma mobilização nas redes sociais para pressionar os ministros a decidirem pela interpretação exemplificativa.

No Instagram e no Facebook, Mion, que tem um filho autista, chamou a atenção para os riscos ao tratamento de pessoas na mesma condição, além de pacientes de várias outras doenças que têm procedimentos e terapias negados pelas operadoras.
 
 

Além dele, pais e mães de crianças com doenças raras e que precisam desses tratamentos estão protestando na frente do tribunal. Eles estão acorrentados às grades do STJ.  
 
 
 
 

Julgamento adiado


O julgamento foi retomado na tarde desta quarta-feira com o voto da ministra Nancy Andrighi. 





Ela se posicionou pelo entendimento de que o rol de procedimentos da ANS deve ser interpretado de maneira exemplificativa, discordando da fundamentação do voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão. 

“Negar a natureza meramente exemplificativa do rol de procedimentos e eventos em saúde ou reconhecer a sua natureza taxativa é aceitar a exorbitância do poder regulamentar exercido pela ANS e, por conseguinte, a usurpação da competência legislativa da União. Implica, em síntese, demandar do consumidor um conhecimento técnico que ele, por sua condição de vulnerabilidade, não possui e nem pode ser obrigado a possuir”, disse Nancy. 

“Ademais, importa na criação de um impedimento inaceitável de acesso do usuário às diversas modalidades de tratamento das enfermidades cobertas pelo plano de saúde e as novas tecnologias que venham a surgir, simplesmente por que ele não tem como prever a ocorrência dessas enfermidades ou a aparição dessas tecnologias e tampouco tem como conhecer os tratamentos possíveis no momento da tomada de decisão para a celebração do contrato”, completou a ministra. 

Ela ainda ressaltou que na relação entre planos de saúde e consumidor, este último está em uma posição de vulnerabilidade. 

“É a conclusão que agrava a condição de vulnerabilidade do consumidor aderente porque lhe impõe o ônus de suportar as consequências de sua escolha desinformada ou mal informada entre as quais pode estar a de assumir, de forma inconsciente, o risco à sua saúde ou à sua própria vida.” 

Ao final da leitura de seu voto, a ministra pediu que o relator revisse sua posição e adotasse o entendimento do rol ser meramente exemplificativo. Ela ainda lembrou das pessoas que estão acorrentadas às grades do tribunal aguardando a decisão. “Que a saúde de cada um e de todos seja devolvida.”

O relator reafirmou seu voto de que o rol deve ser interpretado de forma taxativa, salvo em casos excepcionais. 

Porém, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva pediu vistas e o julgamento foi adiado mais uma vez, ainda sem data para ser retomado.  
 
*Estagiária sob supervisão