Jornal Estado de Minas

ACESSO BARRADO

Estudiosa: Veto de Bolsonaro pode impedir melhor tratamento contra câncer

Mais do que uma opção de tratamento, o medicamento oral contra câncer é, dependendo do paciente, o mais eficiente combate à doença. É o que esclarece oncologista ouvida pelo Estado de Minas. O acesso facilitado a esse tipo de remédio foi vetado após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) barrar projeto de lei.




 
"Às vezes as pessoas podem pensar 'se não liberou a medicação oral, é só fazer a quimio venosa', mas não é bem assim. Na maioria das vezes não existe essa opção", explica a médica oncologista do grupo Oncoclínicas, Carolina Vieira.
 
"Dos anos 2000 para cá, muitos estudos foram feitos e diversos medicamentos foram comprovados pela ciência como mais eficazes em algum tipo de câncer. Tivemos mudanças nos padrões de tratamento com as pequenas moléculas, que na maioria das vezes são drogas orais", complementa.
 
O noticiário e as redes sociais foram tomados nos últimos dias pela decisão presidencial de vetar, na segunda-feira (26/7), proposta já aprovada pelo Congresso que facilitaria o acesso a esse tipo de medicamento. O texto alteraria a Lei dos Planos de Saúde para tornar obrigatória a cobertura para tratamentos - entre os quais via medicamento oral.




 

'Uma bênção'

 
A paciente Marilia de Sousa Torres, de 58 anos, atesta na prática a eficiência do remédio. "Está sendo uma benção. Comecei há cerca de oito meses. Antes eu fazia quimio na veia, passava muito tempo no hospital. Agora eu vou a cada 21 dias lá, tomo a injeção na barriga, fico em observação por 30 minutos e volto para casa", diz.

Marilia mora na Região Metropolitana de Belo Horizonte e gasta cerca de 50 minutos para chegar no hospital. Por dia, toma sete comprimidos, respeitando os horários prescritos, mas tendo a flexibilidade para escolher quando tem mais tolerância para ingestão. 
 
Marilia de Sousa faz tratamento com medicações orais: "foi uma benção" (foto: Marilia de Sousa/Arquivo Pessoal)
 
 
"Esses comprimidos a gente toma durante 14 dias direto e faz uma pausa durante sete dias. São sete comprimidos ao dia, sendo quatro de manhã e três à tarde", conta. "Sempre tomo café primeiro e não preciso ficar naquela preocupação. Algumas vezes eu tomo o remédio às 8h30, outros dias às 9h30. O importante é tomar de manhã a quantidade certa". 




 
Além disso, os efeitos colaterais têm sido menos rigorosos. "Chegava a ficar uns dois dias passando mal. Meu cabelo também estava caindo muito, agora tem uma queda, mas não fico careca. Tinha efeito demais, vomitava muito, dava tonteira. Agora eu não sinto mais nada, graças a Deus", comemora.
 
O medicamento específico de Marilia é coberto pelos planos de saúde - mas isso não é uma regra (entenda melhor abaixo). 
 

Então... por que vetou?

 
Se medicamentos via oral são mais confortáveis e ainda podem ser os mais eficientes para determinados pacientes, por qual motivo a facilitação do acesso foi vetada? "Por serem medicamentos oncológicos muito caros, isso geraria um ônus muito forte aos planos de saúde, e automaticamente eles absorveriam o impacto do custo inicialmente - e com certeza seriam repassados ao consumidor posteriormente", afirma o advogado Leandro Nava, especialista em Direito do Consumidor.
 
O impacto da medida foi exatamente o argumento usado pela Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República para justificar o veto presidencial.

"A incorporação de medicamentos e procedimentos ao rol de procedimentos e eventos em saúde, contrariaria o interesse público por deixar de levar em conta aspectos como a previsibilidade, transparência e segurança jurídica aos atores do mercado e toda a sociedade civil", afirmou, após ressaltar a "boa intenção do legislador".




 
O projeto do senador José Antonio Reguffe (Podemos-DF) tornaria obrigatória a cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).  
 
Nava aposta que o custo aos planos de saúde seria rapidamente repassado ao paciente. "Quando fossem fazer a renovação de seu plano, teriam um reajuste, que é feito pelo índice de sinistralidade, o volume de causas problemáticas que as pessoas utilizam o plano", alega.

"Esse veto teve um olhar mais a frente disso. Provavelmente as empresas fariam sim o repasse para os consumidores finais, deixando-os numa situação financeira mais complicada", complementa o especialista em Direito do Consumidor.  
 

O que fazer agora? 

 
"Juridicamente falando, a situação dos pacientes não muda", resume Nava. O projeto determinava que esses medicamentos deveriam ser disponibilizados, em determinado prazo, se houvesse a declaração do médico. Como foi vetado, continua como estava.
 
A orientação do especialista é recorrer à Justiça. "As pessoas sempre devem consultar um advogado para verificar se o seu caso possui alternativa de entrar com ação, para ter o oferecimento do plano de saúde por liminar. Caso contrário, a pessoa pode até morrer", afirma Leandro Nava. 




 
A outra opção seria participar de algum teste, conforme indica a médica Carolina Vieira. "A qualquer momento o paciente pode participar de uma pesquisa clínica que esteja acontecendo no país, desde que ele preencha critérios. Isso é sempre uma opção".

"Outra alternativa é a equipe médica assistente definir por um outro tratamento, ou venoso ou oral, que já esteja incorporado no Rol, mas que tenham uma menor chance de resposta, e menor eficácia", complementa a especialista.
 

Mas o que é Rol?

Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. É uma lista com remédios e procedimento da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) cuja cobertura é obrigatória pelos planos de saúde. E, segundo especialistas, muitos medicamentos ainda aguardam para serem incorporados, mesmo já tendo sido aprovados pela Anvisa.




 
A cada dois anos, o Rol é revisado e os remédios podem ser aprovados ou não. Uma espera tão grande pode ser crucial no tratamento de uma doença como o câncer, algo que pode levar à morte de pacientes que não receberam o melhor fármaco disponível para seu tipo de tumor. 
 
"Num outro cenário mais triste, o paciente pode ficar, inclusive, sem tratamento. Porque existem algumas doenças associadas a mutações muito específicas, que a gente não tem outra alternativa a não ser aquela oportunidade terapêutica especifica", resume Carolina Vieira. 
 
*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Ricci

audima