Jornal Estado de Minas

ESTUDO

Pandemia: Pesquisa traça raio-x das UTIs brasileiras e aponta desigualdade


Em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, o projeto UTIs brasileiras divulgou um relatório sobre a situação das unidades de terapia intensiva adulto no Brasil. Os dados, recolhidos pela Epimed Solutions e pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), foram coletados entre março e agosto deste ano e compreendem 623 hospitais pelo país, sejam eles da rede privada ou pública.





Todas as internações analisadas pelo projeto foram pautadas em quadros clínicos de adultos com síndrome respiratória aguda grave (Sari) e de COVID-19, a fim de ilustrar a situação desses pacientes nas UTIs brasileiras. A pesquisa dividiu os dados coletados em três esferas: hospitais, UTIs e leitos adulto; características clínicas e gravidade à internação; e uso de suporte na unidade de principais desfechos.

Otávio Ranzani, médico intensivista e epidemiologista, e também estudioso do tema, ao analisar o estudo, pontua que a existência do projeto se deu antes mesmo da pandemia e de forma colaborativa, o que confere legitimidade aos dados divulgados, também, nesse período. “As UTIs que colaboram com o projeto UTIs brasileiras o fazem de forma voluntária e gratuita, e coletam informações básicas de pacientes internados em UTIs privadas e públicas”, afirma.

Os resultados, conforme Ranzani, são baseados em uma coleta de informações disponibilizadas pelos usuários dos hospitais membros da pesquisa. Dos 623 hospitais participantes, 380 deles realizam atendimentos particulares, enquanto a assistência médica oferecida nos outros 243 é de caráter público.





A partir disso, os hospitais são representados pela presença de UTIs adulto em seus domínios e pela quantidade de leitos existentes em cada uma delas. De um total de 1.304 unidades de terapia intensiva registradas, 815 estão divididas entre os 380 hospitais privados analisados, com aproximadamente 10.663 leitos. As outras 489 UTIs, com capacidade para 6.107 internações, estão nos hospitais públicos.
 
Nesse cenário, pode-se perceber uma maior taxa de UTIs nos hospitais privados, o que pode ser explicado pela maior oferta de leitos em âmbito particular e/ou pelo preenchimento da pesquisa, em sua maioria, por hospitais desse setor – o que, segundo o médico intensivista, pode afetar o atendimento público destinado a pacientes graves. Isso porque a demora de atendimento também pode estar atrelada a esse aspecto.

“O Brasil tem uma distribuição bastante desigual de leitos de UTI, com regiões com baixa oferta e outras com maior oferta, e a desigualdade é muito maior se considerarmos leitos públicos. Embora não se analisou, é possível que os doentes mais graves nas UTIs públicas esperaram mais tempo até ter um leito de UTI”, comenta Ranzani.





De uma forma ou de outra, o que os índices mostram é que, em sua totalidade, esses hospitais receberam 230.456 internações, sendo 163.984 delas nos particulares e 66.472 nas unidades públicas de saúde.

A maioria dessas internações, mais especificamente 67.274 delas – 46.201 em hospitais particulares e 21.073 em públicos –, se deu por quadros clínicos de síndrome respiratória aguda grave (Sari). Casos de COVID-19 representaram 44.151 das entradas em UTIs brasileiras: 30.148 no âmbito de internações privadas e 14.003 das públicas.

No entanto, o tempo de permanência nas  UTIs por pacientes diagnosticados com COVID-19 é maior, principalmente nos hospitais considerados públicos. Isso porque, de acordo com os dados apresentados pelo projeto, em média, um enfermo infectado pelo novo coronavírus permanece 12,2 dias nas UTIs públicas. Essa taxa chega a 11,6 dias nos hospitais particulares.





Já os pacientes com síndrome respiratória aguda grave (Sari) permanecem em torno de 11,3 dias internados em hospitais públicos e 10,6 em hospitais privados. 

A média geral de internações nos hospitais pesquisados, seja por Sari ou por COVID-19, é de 7,5 dias.

Justamente por isso, Ranzani destaca a importância de a pandemia ser controlada e prevenida fora dos hospitais, a fim de que se evite uma superlotação das UTIs, bem como de demais leitos, em todo o Brasil. “Devemos combater a pandemia fora dos hospitais para evitar carga e demanda muito altas dos hospitais e UTIs”, frisa.

O perfil dos pacientes

Em ambos os quadros clínicos, sendo eles de Sari ou COVID-19, as internações foram com maior frequência de homens, pessoas com idade acima de 65 anos e pacientes com alguma comorbidade.





Enfermos do sexo masculino representaram aproximadamente 56,8% de todas as internações feitas por Sari, enquanto pessoas com mais de 65 anos representaram 50,4%. Os homens, ainda, corresponderam a cerca de 59,2% das entradas dadas em UTIs em razão de infecção pelo novo coronavírus, e doentes com mais de 65 anos a 44,4%.

Os números ainda indicam que 40,7% das pessoas internadas por síndrome respiratória aguda grave e 36,1% dos enfermos com COVID-19 já apresentavam alguma doença de base, oferendo, assim, maior risco ao quadro.

Quanto ao estado clínico dos pacientes internados, a pesquisa apresenta taxas de gravidade medidas por meio de um escore de gravidade geral denominado SAPS 3, que compreende a causa da admissão na UTI, cuidado inicial, distúrbios da resposta fisiológica inicial e comorbidades. 





Os resultados do estudo apontam 51,2% de gravidade para internações por síndrome respiratória aguda grave (Sari) e 49,1% nos casos de COVID-19.

A mortalidade nas UTIs foi maior em quadros clínicos de COVID-19, registrando taxas de 34,1%, em comparação com a síndrome respiratória aguda grave (Sari), que apresentou índice de 33,9%.

 Já no que diz respeito aos dados referentes a óbitos registrados em unidades de terapia intensiva de hospitais públicos e privados, esse número chega a 49,1% em ambos os quadros clínicos.

Uso de suporte

Quanto ao desfecho dos casos, 59.953 pacientes internados com Sari já saíram dos hospitais, enquanto 39.040 dos casos de COVID-19 foram curados. Desses, 21,4% dos quadros clínicos de Sari receberam suporte respiratório não invasivo, 46,6% precisaram de ventilação mecânica invasiva (normalmente feita por tubo na traqueia, via oral, nasal ou por traqueostomia), 34,4% fizeram uso de medicação na veia central, e 12,9% necessitaram de suporte renal.

Já nos casos de COVID-19, 22,8% precisaram de suporte respiratório não invasivo, enquanto 48,2% receberam ventilação mecânica invasiva como auxílio. Além disso, 34,6% necessitaram de medicação venosa e 15,3% de suporte renal – seja por meio da diálise ou demais tratamentos. 





A partir dos números, conclui-se que a necessidade de suporte respiratório e renal foi mais recorrente em infecções por Sars-CoV-2.

Otávio Ranzani traça, então, um panorama quanto a situação de adultos internados e/ou que necessitaram de internação em função de uma infecção por Sars-CoV-2, a partir dos números apresentados pelo projeto: “Os índices mostram que muitos casos graves de COVID-19 já foram internados nas UTIs brasileiras que participam do projeto. E, como esperado, esses doentes são graves, com os pacientes do sistema público sendo ainda mais graves, necessitando até 64% de ventilação mecânica invasiva e 20% de diálise”.
 
Os dados continuam em análise e em atualização. No entanto, o Registro Nacional de Terapia Intensiva frisa que os dados colhidos na pesquisa não substituem os apresentados oficialmente pelo Ministério da Saúde e pelas secretarias estaduais de Saúde.

*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram