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Estado de Minas PEDIDO DE SOCORRO

COVID-19: Para 'cuidar dos velhos' e evitar novo 'extermínio', indígenas de Rondônia pedem socorro

Décadas após serem assoladas por epidemia de sarampo, aldeias Paiter Suruí convivem com surto de coronavírus; eles receberam ivermectina


14/08/2020 18:14 - atualizado 18/08/2020 11:51

'Novo normal': mesmo de máscara, suruís não abrem mão das vestimentas tradicionais.(foto: Celso Suruí/Arquivo Pessoal)
'Novo normal': mesmo de máscara, suruís não abrem mão das vestimentas tradicionais. (foto: Celso Suruí/Arquivo Pessoal)
Para monitorar inimigos de carne e osso — os madeireiros — habitantes das aldeias Paiter Suruí, em Cacoal, no interior de Rondônia, filmam extrações ilegais e fazem denúncias por meio das redes sociais. Para monitorar um inimigo invisível como o novo coronavírus, contudo, não há celular ou tradição que resolva. A pandemia chegou com força à terra indígena Sete de Setembro, onde vivem 28 comunidades suruís. Segundo estimativas de líderes locais, há 51 contaminados na área, habitada por cerca de 1.800 pessoas.

Ao Estado de Minas, um dos líderes da tribo Lapetanha, Celso Suruí, 35, contou as agruras vividas pelos nativos. Na comunidade de Celso, que conta com 90 integrantes, todos sentiram, em dado momento, algum dos sintomas da doença.

“Infelizmente, a pandemia entrou nas aldeias. Já há cinco aldeias com algum infectado. Minha aldeia está passando por um momento muito díficil. Até a noite de ontem (quinta-feira), tínhamos oito casos”, diz. Os positivos estão isolados. Entre eles, está Celso.

Os casos foram descobertos após testes rápidos, mas Celso conta que há pouca assistência aos doentes. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, enviou um grupo de enfermeiros à reserva, mas ficou nisso, relata. O líder cobra apoio dos governos federal, municipal e estadual. Ele pede, também, ajuda à Fundação Nacional do Índio (Funai).

“Precisamos de apoio dos governos para estruturar o posto de saúde e colocar um hospital de campanha, para que os indígenas infectados e sintomáticos sejam atendidos dentro das aldeias. Estamos vendo que os hospitais de Cacoal têm bastante demanda e não conseguem atender todo mundo”, pontua.

“Falta estrutura física e médicos específicos para enfrentar a pandemia nos Suruí”, resume.

As aldeias receberam azitromicina e ivermectina, remédios sem comprovação de eficácia no combate à virose. Segundo Celso, a percepção geral é de pouco efeito das substâncias.

“Quando avisei que haviam habitantes com sintomas, mandaram os remédios. As pessoas estão tomando e, mesmo assim, estão com sintomas bastantes fortes”, afirma, mencionando o fato de ter ingerido o coquetel e, mesmo assim, detectado piora em seu quadro clínico.

As aldeias têm utilizado remédios tradicionais como forma de auxiliar o tratamento dos infectados.

Confira o vídeo gravado por Celso Suruí: 


Sarampo é trauma e gera temor


Desde os anos 1970, os Paiter Suruí precisam lidar com um antigo trauma: a epidemia de sarampo que exterminou parte dos índios da região. Com a chegada do coronavírus, o “fantasma” cresceu e gera lembranças ruins aos que sobreviveram ao surto de décadas atrás.

“Muitas pessoas estão assustadas.. Na década de 1970, por conta de uma epidemia de sarampo, éramos 5 mil pessoas e viramos 250”, recorda Celso.

Além das vidas, o sarampo levou consigo parte do mais precioso bem suruí: a tradição. Segundo Celso, a doença trouxe consequências à cultura local.

“Quem viveu aquele tempo, relata que o momento foi bem difícil e trágico para nosso povo. Perdemos muitas pessoas que sabíamos de nossas culturas, nossos pajés e nossas famílias”.

Na reserva Sete de Setembro, vivem 28 aldeias da etnia Paiter Suruí(foto: Celso Suruí/Arquivo Pessoal)
Na reserva Sete de Setembro, vivem 28 aldeias da etnia Paiter Suruí (foto: Celso Suruí/Arquivo Pessoal)

‘Cuidar dos velhos’


Para zelar pelas tradições, cuidar dos mais velhos é essencial.

Por isso, diz ele, cabe aos jovens suruís “pedir socorro”. “Alguns anciãos estão com medo de ir ao hospital, pois muitas vezes são mal compreendidos pela falta de entendimento das línguas”, lamenta. Por lá, nem todos falam o português. O idioma nativo é ligado ao dialeto Tupi.

A possibilidade de ir às casas de saúde formais traz apreensão aos suruís. Um dos icônicos integrantes dos lapetanhas, Perpera Suruí, quase precisou ser encaminhado a um hospital por conta de complicações em virtude do coronavírus. Ele, contudo, teve leve melhora e continua na tribo, sob os cuidados de uma enfermeira.

Quem não teve a mesma sorte do ‘Ex-pajé’ foi outro integrante dos suruí. Ele respira por aparelhos, internado em uma unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital de Cacoal, cerca de 400 quilômetros distante da capital Porto Velho.

O pedido de ajuda dos suruís não se restringe somente ao aspecto médico. A pandemia afastou parte dos índios da labuta diária. Sem trabalho, não há como levar o sustento aos parentes. Eles clamam por cestas básicas.

“As pessoas não aguentam fazer o trabalho físico e, por isso, estão com dificuldades de manter a alimentação de suas famílias”, comenta Celso Suruí.

Sobre a questão da saúde indígena, a Fundação Nacional do Índio (Funai) esclarece que o responsável pelo assunto no país é o Ministério da Saúde. A Funai não cuida diretamente da matéria, mas sim a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai/Ministério da Saúde), que possui a competência institucional de coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS).

 


COVID-19 em Rondônia


De acordo com os mais recentes dados do governo federal, divulgados nessa quinta-feira (14), Rondonia tem 46.676 casos confirmados do novo coronavírus. Foram 993 mortes.


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