"Nem parece que fica no Brasil". "É o nosso Vale do Silício". "A crise passa longe daqui". "Ela representa apenas 1% do País". Essas são algumas das frases que de tão repetidas e escritas já se solidificaram na cabeça de quem ouve "Faria Lima". Na verdade, em seus 4,6 km de extensão, a avenida abriga muito mais diversidade do que essa imagem de "ilha de prosperidade e fantasia" nos faz supor.
Para começar, a região do Largo da Batata tem uma visível vocação popular - com comércio de rua, botecos e um grande fluxo de trabalhadores. As tentativas de "gourmetização" não alteraram tanto a paisagem. Cervejarias chiques dividem espaço com os tradicionais pés-sujos e o chope artesanal repousa ao lado do "litrão".
Ainda no Largo da Batata, também flagramos a doméstica Marlene Rodrigues, de 48 anos, subindo no ônibus. Ela repara nos "mundos" que compõem a avenida - mas acredita que não se misturam. "Os prédios do outro lado são muito bonitos. Nunca entrei neles. Acho que é porque a avenida tem dois lados, dois povos diferentes."
Ao sair do Largo e avançar pela avenida, não pisamos, imediatamente, na Faria Lima do dinheiro ou da tecnologia.
A virada
O Shopping Iguatemi ainda é um marco na avenida. A partir dele, a Faria Lima vai se transformando em algo mais "exclusive" e "personnalité". O comércio popular é substituído pelas butiques e, principalmente, por uma arquitetura moderna e arrojada.
Perto do shopping, encontramos um sócio do Clube Pinheiros (que também fica na Faria Lima) e frequentador da via, o advogado Rubens Leite, de 73 anos. Ele considera "babaquice" quem diz que a Faria Lima representa apenas 1% do PIB do Brasil. "O Brasil pode não ser este aqui, mas a avenida é uma parte do Brasil."
Deste ponto, é possível reparar na movimentação da ciclovia da Faria Lima. Entregadores de aplicativo dividem espaço com engravatados e modernos. O trânsito de bikes e patinetes se intensifica no almoço. Não é raro ver pessoas que trabalham nas redondezas realizando pequenos trajetos com eles. "Aqui é o nosso Vale do Silício.
O horário de almoço é perfeito para observar o perfil de quem circula por lá. O look "camisa azul e sapato-tênis" ainda reina na Faria Lima de alto padrão, mas, aos poucos, tatuagens e camisetas coloridas vão tingindo a paisagem. Essa mistura é o resultado da chegada de empresas como o Google e de uma série de startups que se instalou na região - a mesma que também abriga os tradicionais escritórios de advocacia, bancos, operadores do mercado financeiro...
Na hora do almoço, você pode encontrar funcionários como Gabriel Al-Assal, de 28 anos, e Matheus Lourenço, de 25, que estão dentro do padrão tradicional dos "camisas azuis". "Acho que a Faria Lima tem um ambiente bem familiar", conta Al-Assal. Mas também é possível se deparar com pessoas mais parecidas com o tatuado Matheus Palma, de 21 anos, que tira uma hora de almoço para ouvir música e relaxar na rede.
Meditação
O Patio Victor Malzoni, embaixo do edifício que abriga BTG e Google, transformou-se no desafogo da Faria Lima. Como a região não tem muitos espaços de convivência, é nesse lugar que muita gente vai para respirar, refletir e esquecer das agruras de um dia de trabalho. O espaço tem uma mesa de pingue-pongue comunitária para quem prefere "esfriar a cabeça" a almoçar. Normalmente, a "mesa" fica ocupada por funcionários de bancos e empresas de tecnologia. Não é raro discussões de trabalho serem resolvidas na bolinha.
Além disso, "seres da Faria Lima" que convivem com metas e projetos estão optando por 20 minutos de meditação. Pouco antes do meio-dia, o grupo que pode variar entre 10 e 30 pessoas se reúne no Patio Victor Malzoni. Lá, eles sentam em círculo e fazem exercícios de meditação e respiração. O criador do projeto é o advogado Marcelo Corazzi Breda, de 27 anos. "Foi uma coisa que nasceu naturalmente." Hoje há menos estranhamento. Ainda, claro, é possível ouvir alguns comentários jocosos. "Só 1% do PIB pode se dar ao luxo de ser zen no Brasil", brincou um rapaz de camisa azul e sapato-tênis. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..