Jornal Estado de Minas

Situação da Amazônia entra na pauta dos bispos em Roma

Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu: 'O papa não convocou sínodo para se intrometer em assuntos de governo, mas vai exigir do governo ação em favor daqueles povos' - Foto: Reprodução/Internet/xinguvivo.orgAs queimadas, o desmatamento e situação dos habitantes da floresta entraram na pauta do encontro que reunirá, entre 6 e 27 de outubro, em Roma, mais de 300 religiosos, entre eles 250 bispos, no Sínodo da Amazônia, com representantes das nove nações que abrigam a maior floresta tropical do mundo. Durante o último encontro dos bispos da Amazônia brasileira, em agosto, o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo, fez um apelo por apoio “de toda a Igreja” e por "entendimento por parte do governo".

Dom Walmor afirmou que a Igreja não é uma “organização não-governamental, um partido ou um clube de amigos” e reconheceu a necessidade de "superar ruídos e equívocos internos", sem "negociar o inegociável".

“Quero focalizar a importância de uma compreensão, de uma participação e de apoio de toda a nossa Igreja ao acontecimento do Sínodo para a Amazônia. Queremos essa compreensão por parte de todos os segmentos da sociedade civil, incluindo as instâncias governamentais”, disse dom Walmor, arcebispo de Belo Horizonte (MG).

“Não tem sentido grupo nenhum ou qualquer segmento na igreja atacar o sínodo, atacar esta ou aquela perspectiva, pois está garantida sempre a fidelidade à verdade e ao bem", disse o arcebispo durante encontro. “Não somos políticos como Igreja, nós dialogamos com eles, não somos empreendedores do mundo, dialogamos com eles”.

NOVA LITURGIA

 
O encontro com o papa Francisco, em outubro, deverá discutir, entre outros assuntos, os novos caminhos para evangelização, a escassez de agentes pastorais, padres e religiosas, a desatualização na preparação de leigas e leigos e a participação dos fieis na eucaristia. Mas também está na pauta a busca de um caminho de participação dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, do campo e das cidades, onde as distâncias são enormes.

A Igreja quer compreender qual liturgia a ser celebrada ali, quais os costumes, tradições autóctones que podem ser aproveitadas. “Usamos a liturgia romana até hoje que não se difere em nada daquela da basílica de São Pedro ou de Belo Horizonte”, aponta o bispo emérito do Xingu, dom Erwin Kräutler, vice-presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil) e membro do Conselho Pré-Sinodal, que esteve em Belo Horizonte em fevereiro, quando ministrou aula inaugural da Faculdade Jesuíta de Filosofia, no Bairro Planalto, sob a temática do sínodo.

'RISCO À SOBERANIA'

 
A organização do encontro, definido pelo papa Francisco em 2016, vem gerando controvérsias com setores conservadores da Igreja Católica no Brasil. Pouco após a posse do novo governo brasileiro, o ministro-chefe do Gabinete Institucional, general Augusto Heleno, manifestou preocupação com o encontro católico, que, segundo ele, “poderia oferecer riscos à soberania nacional”.

O Planalto, alertado pela Agência Brasileira de Investigação (Abin), que é ligada ao GSI, queria conter o que entende serem avanços da Igreja Católica contra a agenda do presidente Jair Bolsonaro. O general Heleno declarou ainda que “tem algumas coisas na pauta do sínodo que são de interesse do Brasil.
E quem cuida da Amazônia brasileira é o Brasil”, e que seria intromissão da igreja nos assuntos do governo, declarações classificadas de “piada” pelo bispo emérito do Xingu.

“Os bispos que estão lá conhecem muito mais de Amazônia do que qualquer integrante do atual governo. E vamos ficar calados diante de injustiças flagrantes? O papa não convocou sínodo para se intrometer em assuntos de governo, mas vai exigir do governo ação em favor daqueles povos. Não vamos chegar ao ponto de chamar alguém de governo para participar. Assunto de sínodo é da Igreja Católica no Brasil e de outros países”, afirmou dom Kräutler.

O bispo emérito do Xingu disse não entender a razão da aversão do presidente Bolsonaro às ONGs e defende que é preciso ter uma outra visão da Amazônia. "Ela é espaço de vida para povos.” Segundo ele, não serão feitas propostas político-partidárias, "mas vamos chamar a atenção do mundo inteiro para a situação da Amazônia e convidar que todo mundo ajude", afirmou. O presidente Bolsonaro chegou a dizer que havia muita influência política no sínodo, o que provocou reação entre os bispos.

CONTRAOFENSIVA

 
Em 1º de setembro, a CNBB lançou uma contraofensiva nas redes sociais e em veículos de comunicação católicos em defesa do papa Francisco e do Sínodo da Amazônia. O propósito é rebater críticas dentro e fora da Igreja, como do governo Bolsonaro e de alas conservadoras do clero.
A campanha foi divulgada com duas frases para marcar o conteúdo nas redes sociais: #euapoioosínodo e #euapoioopapa.

O Sínodo da Amazônia foi convocado pelo papa, em novembro de 2016, portanto ainda no governo Michel Temer, bem antes das eleições do ano passado, quando 93 bispos se reuniram em Belém (PA) para discutir os desafios da Igreja na região e pediram ao papa a convocação do encontro.

Dom Kräutler chegou à região há 54 anos, aos 26 de idade, e assistiu a muitas perdas em termos de florestas e territórios entregues a empresas estrangeiras. “Vi toda mineração e madeira voltadas para a perspectiva de exportação, o agronegócio avançando em direção ao norte, as hidrelétricas programadas e em execução, com consequências irreversíveis para a população e o ambiente.”

Para o religioso, é preciso perceber duas interpretações sobre a região e sua soberania, a indígena que necessita da terra para sua sobrevivência, e quem pensa o solo como comércio. “Só falam das riquezas naturais do solo e subsolo e explorar para alguém lá fora. E qual o ganho da população lá?”, questiona.

O bispo aponta uma dicotomia entre o discurso de “a amazônia é nossa” com a prática de todos os governos, que entregam as riquezas sem qualquer retorno para as comunidades locais. E como prova aponta a situação precária dos serviços públicos em toda a região, como as escolas, hospitais, saneamento básico, num dos estados mais ricos do país, que é o Pará, com jazidas minerais monumentais.

“Isso é injusto, não é a visão do plano de Deus. Em termos de igreja não podemos separar as duas coisas. Me preocupam os anseios, angústias e sobrevivência desses povos, tenho essa responsabilidade como cidadão brasileiro e como ser humano, que tem a obrigação intrínseca lutar pela vida”, afirma dom Kräutler.
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