Em laboratórios de importantes instituições de pesquisa, especialistas estão debruçados em métodos para resolver o problema da fila para transplante de rim, que supera os 29,5 mil pacientes no Brasil. Com técnicas diferentes, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e a Universidade de São Paulo (USP) estudam meios de como usar rins de porcos para transplante em humanos.
Na Santa Casa, o método pesquisado é a descelularização, que consiste em retirar as células do órgão do porco, por meio de lavagem com um tipo de detergente orgânico. Depois, o órgão é repovoado com células humanas.
Fundador da startup de biotecnologia Eva Scientific, o bioengenheiro Andreas Kaasi integra a equipe do Instituto de Pesquisa, Inovação Tecnológica e Educação (Ipitec) da Santa Casa, que trabalha no projeto para o uso do órgão do porco há pouco mais de um ano. "O órgão que começou bordô fica cada vez mais branco. O processo dura cerca de 24 horas. Antígenos e células que poderiam causar rejeição (no paciente humano) serão removidos." Apesar de assumir aparência fantasmagórica, com a perda da cor, o rim mantém o formato original.
Segundo ele, a Santa Casa teria capacidade para produzir 50 rins por semana. "É uma possibilidade para quebrar o descompasso entre demanda de órgãos e disponibilidade." Sobre a previsão de usar a técnica em humanos, Kaasi estima prazo de 10 a 15 anos.
Diretor executivo do Ipitec, Luiz Antônio Rivetti afirma que o andamento da pesquisa anima. "Os resultados são melhores do que a gente imaginava. O glomérulo (unidade funcional do rim) estava preservado. O repovoamento (com células humanas) é a próxima fase."
Xenotransplante
Na USP, a técnica é diferente. A proposta é trabalhar com engenharia genética, com um método chamado xenotransplante. No lugar de trocar as células do órgão, o objetivo nesse modelo é criar animais modificados geneticamente.
"Essa é uma técnica que retira, acrescenta ou deleta genes do genoma de qualquer ser vivo", afirma Silvano Raia, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP.
Para a primeira etapa, a ideia é trabalhar com rim e pele do porco. O animal foi escolhido por ter mais semelhanças com os humanos do que os macacos. "Eles (suínos) são mais parecidos na alimentação, o manuseio é mais fácil e crescem depressa para chegar aos 70 quilos, 75 quilos, que é o peso médio do receptor (humano). Também é fértil e tem ninhadas de 18 a 20 filhotes", afirma Raia.
Segundo o professor, testes em humanos, rigorosos, só serão realizados com aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para avaliar riscos e benefícios aos pacientes. A alternativa já é estudada no exterior, em locais como a Universidade do Alabama em Birmingham (EUA).
"A engenharia genética tem progresso constante e há várias linhas de pesquisa trabalhando e tentando chegar em soluções.
Segundo Mayana Zatz, do centro de pesquisas em genoma humano e células-tronco da USP, já há técnicas disponíveis que poderão ser usadas para realizar o transplante nos futuros pacientes sem a necessidade de cirurgias de grandes proporções. "É possível colocar o rim abaixo da pele e, se não funcionar, pode retirar e o paciente voltar para a hemodiálise."
Espera no Brasil
Conforme o Ministério da Saúde, de janeiro a abril deste ano, foram realizados 1.651 transplantes de rim pelo Sistema Único de Saúde (SUS), responsável por 95% dos procedimentos com órgãos sólidos no País. Já em todo o ano passado, foram 5.196 transplantes. A fila de espera por um rim tem 29.545 pacientes.
Silvano Raia diz que, no Brasil e no mundo, não há previsão de aumentar a captação de órgãos para transplante, mas a fila é crescente. "Vem aumentando por várias razões: os resultados (dos transplantes) são melhores, a idade média da população está aumentando e (a doença) está tendo tempo para evoluir e chegar a uma etapa que só a substituição resolve", explica.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..