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Idosa brasileira presa nos EUA relata dias difíceis em presídio federal

Omissão "inocente" no pedido do visto custou a Maria Aparecida, de Belo Horizonte, 32 dias em penitenciária federal em Miami, sendo dois em uma solitária


postado em 17/06/2019 04:10 / atualizado em 17/06/2019 10:22

"Quero muito que essa minha história chegue ao conhecimento de todos que por algum motivo acreditam que trabalhar nos EUA ou ficar um tempo a mais que o permitido seja a realização de um sonho. Isso não é verdade: esse sonho pode virar um pesadelo" - Maria Aparecida de Freitas (foto: Fotos: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)


O sonho americano, que tem como princípio a conquista da independência financeira e a prosperidade por meio do trabalho faz parte do desejo de muitos imigrantes que entram nos Estados Unidos. O que muitos brasileiros que buscam uma vida melhor não sabem é que as consequências por desobedecer as leis do país podem se tornar um pesadelo.

Foi o que aconteceu com Maria Aparecida de Freitas, de 66 anos. Depois de várias idas e vindas de Belo Horizonte, onde mora, a Miami, em 9 de maio deste ano, o serviço de imigração norte-americano barrou a entrada dela no país.

Maria foi interrogada na temida "salinha" do aeroporto de Miami acreditando que o pior resultado seria sua deportação para o Brasil. Mas o pior estava por vir. Ela foi levada para o Centro de Detenção Federal (FDC) de Miami, onde ficou presa por 32 dias. Maria ficaria poucos dias no país. Estava de passagem para visitar uma filha que mora no Canadá.

O drama da brasileira teve origem em 2011, quando ela renovou o visto tipo B2, que, segundo a lei norte-americana, é emitido apenas para turista ou para pacientes em tratamento médico. Ao dar informações ao consulado, ela afirmou nunca ter extrapolado o prazo limite para esse tipo de visto, que é de seis meses.

De acordo com o documento do interrogatório feito pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA, Maria Aparecida foi acusada de ter dado falsa declaração para obter o visto, pois, ao responder o questionário, ela omitiu a permanência no país de fevereiro de 2008 a maio de 2010, ou seja, mais de um ano e meio além do permitido.

Segundo o site do Itamaraty, a entrada de brasileiros na Flórida por meio de fraude na obtenção de visto é passível de processo por descumprimento da legislação migratória, seguido de deportação. O acusado tem direito a advogado público. Porém, na primeira audiência de Maria Aparecida, em 13 de maio, nenhum defensor compareceu e, mesmo assim, a audiência foi realizada. Diante disso, a família contratou um advogado.

Outras duas audiências foram realizadas e, em 29 de maio, o Supremo Tribunal dos EUA considerou a brasileira culpada e o tempo em que ela passou detida suficiente para a pena. A partir daquela data, Maria já poderia ser deportada pelo serviço de imigração, o que, no entanto, só ocorreu 12 dias depois. Em relato ao Estado de Minas, a brasileira conta detalhes do que viveu e viu no FDC.

SOLITÁRIA E FALTA DE NOTÍCIA

Nos dois primeiros dias no Centro de Detenção Federal (FDC) de Miami, ela ficou em uma cela solitária infestada de insetos e o chuveiro era de água fria. Para piorar, estava sem informação do que poderia acontecer com ela. "Chorei muito nesses dias, pois estava preocupada com a família. Não me deram o direito de telefonar para ninguém.”

Maria tem quatro filhos e três netos. “Passei frio na cela e a comida não era nada saudável para uma idosa”, lembra. Foi apenas no domingo, 12 de maio, Dia das Mães, que a brasileira foi transferida para outro setor do FDC, onde dividiu espaço com outras detentas. Foi nesse dia que ela conseguiu contar para a família que estava presa.

Maria conta que, por exigência do sistema penitenciário dos Estados Unidos, cada preso tem que abrir uma conta bancária com saldo e só depois pode fazer uma ligação por dia para uma pessoa. “Foi nesse dia que entendi que a vida no cárcere americano é toda contabilizada, quase tudo é pago pelo detento. O dinheiro que estava levando para passear nos EUA foi depositado nessa conta. Até o telefonema era debitado e eu não podia nem escolher se fazia a ligação a cobrar, tinha que pagar", conta.

Nos dias comuns, as presas cumprem uma rotina que começa às 6h. Após o café da manhã, as detentas imigrantes e que estão cumprindo penas maiores são levadas a trabalhar nos serviços de limpeza, lavanderia ou na cozinha. O salário oferecido, segundo o formulário que Maria recebeu no presídio, é de US$ 20 por mês, sem direito à redução de pena por dia trabalhado, como é no Brasil. No caso da idosa, o trabalho oferecido não foi obrigatório por ser uma pena de curto prazo e ela preferiu não trabalhar. “Achei a proposta humilhante, pois não oferece nenhum benefício a quem está lá. Além disso, US$ 20 ao mês é quase uma situação de escravidão”, avalia.

COMÉRCIO NO 'SHOPPING-CADEIA'

Maria Aparecida conta que, na imigração, todos os seus pertences, como roupas, joias e objetos de higiene pessoal, foram recolhidos. No presídio, a roupa do corpo foi trocada pelo uniforme, que não a protegia do frio. Sem os pertences, os detentos passam a comprar novos produtos e, no caso da Maria, um agasalho e um calçado. Segundo ela, uma lista é fornecida com diversas mercadorias, desde água mineral, comida até roupas, calçados e maquiagem, para que as detentas só comprem produtos do "shopping cadeia".

“Os preços são mais altos que os cobrados fora da prisão. Estava sem um tênis e tive que pagar mais caro. Quase tudo lá tem que pagar. Paguei US$ 6 dólares por 100 gramas de comida, que na lista é classificada como especial, mas, na verdade, é muito mal preparada”, lembra. Segundo ela, cada detenta tem uma cota de 12 garrafas de 500ml de a cada 15 dias. “Se acabar, só água da torneira”, conta a brasileira.

DO SONHO À REALIDADE

A realidade vivida por Maria Aparecida é semelhante à dos imigrantes que entram nos EUA sem o visto de trabalho e ficam além do prazo permitido. Segundo a organização não governamental Human Rights Watch, o país tem a maior população carcerária do mundo e, em 2018, 2,3 milhões de pessoas estavam em prisões e cadeias federais e estaduais cumprindo pena pelos mais diversos crimes. As penas nos EUA são consideradas severas, e os mais susceptíveis aos abusos são membros de minorias raciais e étnicas, imigrantes, crianças e pobres.

Ainda segundo a ONG internacional, muitas pessoas estão sendo julgadas por crime federal e sendo presas pelo fato de terem mentido ou omitido informações no formulário exigido pelas leis de imigração para o pedido de visto. Para a ONG, em muitos casos as condições são abusivas e colocam centenas de milhares de pessoas que já constituíram vínculos fortes com o país em risco de perda da liberdade. Além da deportação, os direitos já adquiridos podem ser anulados, como o Green Card.

Para Maria, além da perda de liberdade, foi grande a desilusão com país. “Sei que muitas pessoas acreditam que os EUA respeitam a dignidade humana no sistema carcerário, mas nos dias em que estive presa não tive garantidos nem sequer direitos básicos, como o banho de sol. A única luz que enxerguei foi de uma lâmpada forte. O local é todo fechado e nem ar puro respirei. As revistas eram constrangedoras no dia de visita e também nos dias de julgamento, quando fiquei boa parte do tempo algemada”, desabafa.

Maria Aparecida acredita que os 12 dias a mais que permaneceu no Centro de Detenção Federal de Miami poderiam ter lhe causado algum tipo de sequela emocional. Mas afirma que os dois primeiros dias na solitária foram suficientes para refletir sobre a importância da liberdade. “Quero muito que essa minha história chegue ao conhecimento de todos que por algum motivo acreditam que trabalhar nos EUA ou ficar um tempo a mais que o permitido seja a realização de um sonho. Isso não é verdade:  esse sonho pode virar um pesadelo para a pessoa e para toda a família”, alerta.


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