Lucas rasteja na lama, tenta se equilibrar em cima do tronco de árvore tombado. Há um tênis destroçado ao seu lado. É o indício que o leva a crer que pode haver alguém ali debaixo. Enfia o braço no barro, vasculha o mais fundo que pode. Avança um pouco mais, engatinha, atola o corpo no rejeito. O caminho é esse, não tem outra forma. No dia anterior, achou uma perna. Ele está em busca de corpos há mais de 48 horas.
De longe, o batalhão de bombeiros de Belo Horizonte que integra é uma imagem turva em meio a escombros.
"Nunca vi nada assim", diz o soldado Lucas Antunes, de 30 anos. Com máscara e óculos de proteção, responde às perguntas que faço, mas não se distrai. Tem os olhos fixos no barro mole.
Nos cinco anos dedicados ao Corpo de Bombeiros, o rapaz de João Monlevade, um dos tantos municípios mineiros forjados na exploração do ferro, passou por várias missões, mas, como a maior parte dos jovens que entraram para a profissão, não coleciona grandes tragédias no currículo. Então, vem Brumadinho. "Não dá para esquecer nunca disso aqui. É uma lição para a vida."
Ainda não há data de ir para casa, mas ele quer uma. A mulher e o pequeno Lucas Antonio esperam pelo bombeiro em casa, em BH. "Meu filho faz dois anos no dia 3.
Sem prazo
Os funcionários públicos de Minas, incluindo bombeiros, estão com o 13.º salário de 2018 atrasado e receberão o benefício parcelado ao longo do ano. O fim do trabalho em Brumadinho ainda é uma incógnita. Calcula-se o número de mortos e desaparecidos, multas e doações e projeta-se a extensão dos danos. O fim das buscas, porém, ainda é tarefa de prazo indeterminado e assunto proibido para milhares de parentes que esperam resposta.
Tampouco é possível prever exatamente quanto tempo custará a retirada de toda a lama podre que encobriu a cidade. E esta será, de fato, uma exigência da população e do poder público aos culpados pela enxurrada de crimes que cometeram.
São assuntos que, no momento, não passam pela cabeça de Lucas e dos companheiros que vasculham a lama. Apoiados em madeiras, canos, galões de combustíveis e tudo o mais que encontram pela frente, brigadistas e voluntários seguem pelo barro, em busca de sinais de vítimas. É a missão. Lucas volta ao trabalho. Uma chuva forte está a caminho, para dificultar um pouco mais.