Por volta das 18h30 de ontem, um tremor fez trepidar vidraças, balançar móveis e bambear pontos de táxi na cidade. Assustados, brasileiros e venezuelanos correram para ruas e, cena incomum nos últimos dias, ficaram reunidos por alguns instantes. "Era só o que faltava em Pacaraima", comentou um morador da cidade que fica na fronteira com a Venezuela.
O tremor durou poucos minutos e logo os presentes voltaram às reclamações habituais. Recentemente, Pacaraima, no norte de Roraima, tem vivido dias de nervos à flor da pele. A tensão, provocada por troca de acusações entre brasileiros e imigrantes venezuelanos, teve o estopim no sábado, quando um grupo soltou bombas caseiras, destruiu objetos e incendiou barracas de refugiados que acampavam na rua.
Cerca de 1,2 mil venezuelanos decidiram voltar para o país depois do episódio e o número de refugiados que cruzam a fronteira caiu de 1,2 mil por dia para 300. Mas autoridades e a polícia local demonstram preocupação sobre possíveis novos conflitos. Por causa do risco, cerca de 60 integrantes da Força Nacional começaram a patrulhar a cidade ontem. "Você viu algum policial aqui no centro? Tudo que eles anunciam é para os venezuelanos", reclamou um brasileiro, sem se identificar.
Entre os brasileiros, o principal argumento é o de que os venezuelanos estariam provocando um onda de violência na região, além de dispor de suposta prioridade em unidades de saúde e de assistência. "Aqui antes era bem tranquilo, agora eu tenho medo de sair à noite", disse o comerciante Jaciento Silva, de 43 anos, que nunca foi assaltado, mas recebe quase diariamente no WhatsApp mensagens de supostos crimes dos imigrantes.
Pacaraima tem pouco mais de 12 mil habitantes e vem recebendo fluxos de imigrantes desde 2015. A situação se agravou no ano passado. "A maior parte da nossa população mora em terra de demarcação indígena. Na área urbana mesmo tem uns 5 mil, então os venezuelanos tomaram conta", afirmou um comerciante, que também pediu para não ser identificado.
O próprio conflito de sábado foi motivado por um assalto em que a vítima foi roubada e torturada - e reconheceu os agressores como sendo venezuelanos. Depois disso, já não se vê mais as barracas com imigrantes que tomavam as ruas de Pacaraima. "Fizemos uma limpeza", é o comentário mais frequente entre os moradores. "Foi uma grande humilhação", rebateu a venezuelana Jaqueline Astudillo, de 35 anos, que exibe um vídeo mostrando que havia cesta básicas entre os itens queimados no ataque. "Por que você não vai perguntar o que aconteceu para um brasileiro?", reclamou um morador que, observando a conversa, passou a gravar a reportagem com o celular. Questionado se queria dar sua versão, declinou.
Na sequência, houve aglomeração. Um policial militar desembarcou de uma motocicleta e intercedeu.
Bancos vazios
Pela manhã, era incomum o cenário na tenda da Operação Acolhida, equipamento do Exército para receber e fazer a triagem dos venezuelanos. Em vez das costumeiras filas de refugiados, havia diversos bancos de espera vazios. Segundo agentes do local, o fluxo caiu de forma brusca desde o conflito. "Queimaram todos os meus documentos, só me sobrou a roupa do corpo", diz o engenheiro de sistemas Raul León, de 36 anos, um dos venezuelanos atacados no sábado. Havia cruzado a fronteira na véspera. "A triagem demorou mais de um dia."
León saiu da Venezuela para fugir de desemprego, da falta de comida e de remédios. "Já passei três dias sem comer." Após as agressões de sábado, León pensou em voltar. "Senti medo, mas depois as coisas foram se acalmando", relata.
Ao lado da mulher e de cinco filhos - a mais nova de 2 anos e o mais velho de 12 -, o comerciante Gregorio Bello, de 37 anos, estava com a passagem comprada para o Brasil quando recebeu a notícia do incêndio no acampamento.