"Moço, me dá uma ajuda?", pede uma menininha, não mais do que 5 anos, com o rosto colado no gradil que divisa as barracas no Largo do Paiçandu, no centro.
Três meses após o desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, que matou ao menos sete pessoas, dezenas de sem-teto continuam acampados em meio à sujeira e à infestação de ratos e baratas. Muitos são crianças. Poucos, segundo eles mesmos, são ex-moradores do prédio que ruiu no incêndio do dia 1º de maio.
Na sexta-feira, dia 27, havia mais de 50 barracas, uma cozinha comunitária com bom estoque de arroz e feijão e uma cama elástica. Faltavam sacos plásticos para recolher o lixo espalhado. A água também estava no fim.
Organizadores da ocupação dizem que há 43 famílias alojadas, mas costumam aceitar pessoas de fora por entender que precisam de ajuda e não têm para onde ir. "Ainda tem gente do prédio, mas a maioria veio de fora", conta um sem-teto que não quis se identificar. Balanço da Prefeitura aponta que duas a cada cinco famílias que em algum momento fizeram parte do acampamento não tinham vínculo com o prédio invadido.
Segundo relatam, a maioria dos ex-moradores foi viver com parentes ou em albergues.
Com o tempo, outros sem-teto chegaram. Um coordenador da ocupação, que se apresenta só como Lucas, veio de Guarulhos, com três filhos. Como explicação sobre o porquê de ter ido para o Paiçandu, diz apenas ter se sensibilizado com a situação das famílias. E os meninos estão na escola? "Aí é informação confidencial", responde.
A Prefeitura diz que, da última vez, contou 15 famílias e 22 solteiros no Largo - nenhum desses teria morado no prédio. Segundo o Município, vieram de outras regiões da cidade, e se somam a mais 4 mil moradores de rua do centro. A Prefeitura afirma oferecer acolhimento, mas diz que não pode obrigar a aceitarem.
"Não vou levar meus filhos para albergue", diz Lilian Oliveira, de 40 anos, mãe de sete - a mais velha de 13, a caçula de 2. Todas vivem sob lonas. Algumas pedem dinheiro a quem passa pelo Largo. Ela diz que morava no 3.º andar, perdeu os documentos no incêndio e não tirou novos. "Terminei sem benefício".
"Incluí o nome de uma amiga que nunca dormiu aqui. Ela recebeu benefício e eu não", diz Manoel Sousa, de 34 anos, que se declara ex-morador do Paes de Almeida. "Passei minha bênção para os outros."
'Forasteiros'
Em três meses, 115 famílias do Largo pediram auxílio-moradia. A Prefeitura concluiu que 71 de fato moraram no prédio, mas 44 não.
Ao todo, as equipes analisaram 435 famílias - o que inclui moradores já cadastrados em março (antes da tragédia), além dos que não ficaram acampados. Foram habilitadas 291 para o auxílio. No caso de Lilian, o Município diz que ela não foi à entrevista nem consta na lista de cadastrados, de março.
Respostas
A Polícia Civil instaurou dois inquéritos após o desabamento, mas nenhum foi concluído. Sob segredo de Justiça, o Departamento de Investigações Criminais (Deic) apura se o aluguel cobrado de moradores configura extorsão. Já o 3.º Distrito Policial (Campos Elísios) chegou a informar que um curto-circuito causou o incêndio, mas espera laudo do Instituto de Criminalística.
Hoje, ninguém responde criminalmente pela tragédia. A Secretaria da Segurança Pública diz não poder divulgar detalhes para "não atrapalhar o andamento dos trabalhos".
(Felipe Resk).