Brasília, 15 - A atuação frequente das Forças Armadas em operações de segurança pública nos Estados "preocupa muito" pela possibilidade de infiltração do crime organizado nas tropas, afirma o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Em entrevista ao jornal
O Estado de S. Paulo
, o general diz que por isso quer evitar o uso frequente das Forças Armadas e cita um caso registrado no Rio. "Foi pontual. Está infinitamente distante de representar um problema sistêmico, mas temos preocupação e estamos permanentemente atentos em relação a isso."
Para o comandante, houve "negligência" em grande parte dos Estados em relação à segurança pública. Ele avalia que o uso das tropas federais "não tem capacidade" de solucionar os problemas e se mostra incomodado com a possibilidade de "uso político" das Forças Armadas nas eleições. O comandante avalia que, no dia 24, quando está sendo anunciada uma grande mobilização para acompanhar o julgamento do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, em Porto Alegre, a Brigada Militar do Estado tem "plenas condições" de controlar a situação.
A seguir, a entrevista:
Em algumas comunidades, as organizações criminosas têm conseguido eleger candidatos e fazer indicações políticas para cargos públicos. Há preocupação da indicação política em polícias militares nos Estados?
A escolha de um comandante da Polícia Militar sempre tem o caráter político.
Há preocupação de que indicações políticas possam levar o crime para as instituições?
As facções criminosas no Rio e em São Paulo, que se estendem para outros Estados e produzem filhotes, e essa estruturação do crime, principalmente em relação ao narcotráfico e associações internacionais, aumentam em muito a capacidade de contaminação das instituições. Realmente preocupa porque isso pode se estender, claramente, em todo o processo político, de forma que eles coloquem pessoas ligadas a eles ou a seus próprios integrantes em cargos públicos importantes.
Existe essa contaminação do crime nas tropas federais?
Há preocupação de contaminação das tropas, e por isso queremos evitar o uso frequente das Forças Armadas. Recentemente, no Rio, verificamos desvios do nosso pessoal. Foram pontuais, restritos a um ou outro indivíduo, de nível hierárquico baixo.
O senhor teme o uso político das Forças Armadas para segurança pública próximo das eleições?
Há preocupação de uso político das Forças Armadas com a proximidade das eleições porque governos, não querendo sofrer desgastes políticos com a população e em determinadas situações por comodidade, solicitam intervenção federal.
Como o senhor classifica a situação da segurança pública do País?
Tem havido negligência em relação à segurança pública no País. Mas também é surpreendente uma certa passividade da população em relação a isso. Nenhum conflito no mundo hoje faz perder o número de vidas que temos no Brasil, onde são assassinadas 60 mil pessoas por ano. Há negligência em grande parte dos Estados. Mas a questão da segurança é muito profunda e está claro que o simples emprego das Forças Armadas não tem capacidade, por si só, de solucionar problemas de segurança pública que estamos vivendo.
Onde a situação é pior?
Nos Estados do Nordeste, os índices de criminalidade são mais altos do que no Rio de Janeiro. Só que o Rio é uma caixa de ressonância. Por isso, é difícil dizer onde é mais grave ou não.
Como resolver esta questão da criminalidade que afetou a segurança pública?
Somos um País carente de disciplina social, que prioriza os direitos individuais em relação ao coletivo e ao interesse social. E um ambiente de pouca disciplina favorece à diluição das responsabilidades. Por isso, há uma certa resistência a que se busque o saneamento das condutas individuais e coletivas. Por outro lado, estamos vivendo uma imposição do politicamente correto, vivendo uma verdadeira ditadura do relativismo e com uma tendência a que não se estabeleçam limites nas condutas. Isso vai numa onda e volta em um refluxo que atinge as pessoas e a sociedade como um todo. Isso está na raiz dos problemas, insisto, do politicamente correto, privilegia e atua reforçando o seu caráter ideológico e não apresentando a solução dos problemas.
É necessário o uso das Forças Armadas em Porto Alegre no dia 24 de janeiro durante o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Este é um problema essencialmente de segurança pública. Não precisa de decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para isso. Assim como no Paraná foi muito efetiva a atuação do governo estadual na estrutura de segurança pública, o Rio Grande do Sul tem plenas condições de fazer face a essa questão. A Brigada Militar gaúcha é uma corporação capacitada. A estrutura de segurança pública tem condições de resolver o problema e o pedido do prefeito de tropas federais é inconstitucional.
Há uma banalização do uso das Forças Armadas?
Há uma tendência à banalização do uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e isso acarreta desvio de emprego das Forças Armadas.
Qual sua avaliação das eleições este ano?
As eleições, de certa forma, representarão um plebiscito em relação à Lava Jato. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Tânia Monteiro).