A decisão da Justiça de permitir que psicólogos promovam estudos e atendam pacientes que buscam a reversão sexual, a chamada “cura gay”, causou reações de movimentos LGBT e ativistas de direitos humanos, esquentou a internet com discussão sobre a medida, mas, acima de tudo, apontou para uma necessidade urgente da sociedade: a cura do preconceito.
Psicólogos e militantes consultados pelo Estado de Minas são unânimes ao afirmar que a discriminação tem tratamento e cura, que passa pela tríade composta por educação, informação e a convivência com a diferença.
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Apenas três psicólogos foram denunciados por tentar 'cura gay' nos últimos cinco anos'O amor não precisa de cura', diz GoogleEm protesto, ativista LGBT pede aposentadoria por ser gay: ''estou com uma febre altíssima''Justiça Federal autoriza "cura gay"'Réu, de pele e olhos claros, não possui estereótipo de bandido', escreve juízaJuiz libera 'cura gay' para paciente e garante aos psicólogos a 'plena liberdade científica de pesquisa'Conselho de Psicologia recorre da decisão que liberou a 'cura gay''95% dos brasileiros apoiam o juiz', diz deputado autor do projeto de 'cura gay'O médico Dráuzio Varella também se manifestou. “Que diferença faz para você e para a sua vida pessoal se o seu vizinho dorme com outro homem, se a sua vizinha é apaixonada pela secretária de escritório? Se faz diferença, procure um psiquiatra, você não está legal”, escreveu em suas redes sociais. As manifestações tocam diretamente na necessidade de combate à homofobia, um mal que tem cura, segundo os especialistas.
O secretário de formação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Carlos Magno, está certo de que há tratamento para o preconceito. “Ninguém nasce preconceituoso, é educado dessa forma.
Ele alerta que a homossexualidade ainda é tratada por algumas religiões como pecado; em alguns países, como crime passível de pena de morte; e deixou de ser considerada doença há menos de 40 anos. “Existe uma ideologia de que a homossexualidade deve ser exterminada. Isso não é brincadeira”, afirma.
PROCESSO DE REFLEXÃO A presidente do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, Cláudia Natividade, também receita educação e convivência para a cura do preconceito. “O preconceito é uma construção social que circula livremente entre as pessoas e tem a adesão da sociedade. Está ligado a projetos ideológicos.
Como um sinal de esperança, Cláudia lembra que no passado não muito distante as mulheres divorciadas eram alvo de preconceito. “A própria experiência, a convivência e a integração vão fazendo com que a gente entenda melhor o outro, a diferença”, explica a psicóloga.
“As pessoas que minimizam seu desejo ficam com sentimento de culpa, sentem-se inferiorizadas”, afirma Andréa Moreira Lima, doutora em psicologia social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora do livro Política sexual: os direitos humanos LGBT – entre o universal e o particular”, alertando para o risco da “cura gay”. Ela destaca que quem defende a LGBTfobia demonstra uma “falta de compreensão da própria diversidade humana”, diz.
Segundo Andréa, o fim do preconceito passa por uma reflexão profunda de quem não aceita a homossexualidade a respeito dessa resistência e dificuldade de aceitar a diferença. “O incômodo diz respeito a algo do próprio sujeito e toca na sua própria identidade. Quem precisa de um cuidado são as pessoas incomodadas”, afirma. Quando tinha consultório, ela chegou a atender casos de vítimas e agressores da LGBTfobia e acredita que o preconceito tem tratamento. “É possível, se esse sujeito estiver disposto a ressignificar, mas isso passa também pelo contexto, por uma sociedade mais inclusiva que reconheça e respeite a diversidade humana”, explica.
Entenda o caso
Liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, determinou que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) não proíba profissionais da área de atenderem pacientes que querem mudar sua orientação sexual, conduta impedida pela entidade desde 1999, com a Resolução 1/99.
Embora considere que a homossexualidade “não constitui doença, nem distúrbio nem perversão”, conforme estabelece a Organização Mundial de Saúde (OMS), o juiz admite a possibilidade de psicólogos, de forma reservada, atenderem casos de cura gay.
O entendimento da Justiça é que a proibição afeta o aprofundamento de estudos científicos ligados à sexualidade.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) já está tomando providências para barrar a liminar, argumentando haver evidências científicas nacionais e internacionais sobre a falta de resolutividade de terapias de reversão sexual.
Segundo o órgão, pelo contrário, essas medidas provocam sequelas e agravam o sofrimento psíquico.