Rogéria procurou a Polícia, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Depois da intermediação do Núcleo de Igualdade Racial da OAB, finalmente foi autorizada a tirar a foto. Um ano depois do movimento, um parecer da Procuradoria-Geral do Estado garantiu o direito de que as pessoas exibam, em seus documentos de identidade, foto usando turbantes, chapéus, véus ou qualquer outra cobertura de cabeça, feita por motivo religioso, desde que não esconda o rosto.
"Aqui no Rio, o preconceito não é só de cor. O preto, o pobre e o gordo sofrem preconceito.
Rogéria é mineira de Pirapitinga, na Zona da Mata, a 379 quilômetros de Belo Horizonte. Foi criada pela mãe e pelos avós, agricultores. Veio da avó, descendente de angolanos, o costume do turbante.
"Minha avó nunca alisou o cabelo. Cuidava, tinha todo um ritual, e depois colocava o turbante. Um dia eu perguntei: 'Por que a senhora tem um trabalho danado para cuidar do cabelo e amarra um pano?' Ela falou: 'Filha, esse pano faz parte de mim.
Rogéria mudou-se para o Rio aos 18 anos, a fim de estudar. Teve de trancar a faculdade de Ciências Sociais quando a situação financeira apertou. Pouco depois a avó morreu e, como forma de homenageá-la, passou a usar o turbante diariamente. Por duas vezes, perdeu a identidade em assaltos. A primeira vez em que procurou o Detran para tirar a segunda via, a atendente elogiou seu turbante. Pediu para aprender a fazer a amarração.
Foi assaltada de novo e precisava de outro documento. Procurou o Detran em março do ano passado. "Com esse pano na cabeça não pode tirar", começou a atendente. "Ela olhou a minha foto no sistema e viu que eu já tinha tirado foto com turbante da primeira vez, mas mesmo assim se recusou a fazer de novo", conta Rogéria. O supervisor foi chamado. A discussão subiu de tom. "Se a senhora quiser, entra ali no banheiro e dá o seu jeito", ouviu. "Precisava muito do documento. Fui ao banheiro, molhei a mão, tentei arrumar o cabelo. Saí dali com o protocolo e fui procurar meus direitos."
Depois da intervenção da OAB, foi chamada para voltar ao Detran e fazer a foto. Escolheu um turbante amarelo, com flores. "Eu estava muito feliz, mesmo. É uma grande vitória. É mais um passo para um povo tão sofrido e discriminado. Não só o negro. A mulher quando está cobrindo a cabeça já é discriminada. Dizem: 'lá vai a macumbeira; só pode ser careca'. E te dói. E doeu mais pelo jeito como eu fui tratada, aos berros."
Hoje tem uma grife, a Matamba Ateliê, em que faz roupas afro e turbantes. E os vende para brancas também. "Não vejo como apropriação cultural, mas como uma vontade da mulher de ficar bonita. Mas uma preta que usa turbante é uma questão de resistência cultural, sem dúvida. Respeito a luta das irmãs militantes", diz ela, que adotou como nome Rogéria Fênix Turbante.
Depois do episódio, o Detran fez consulta à Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Norma interna do órgão prevê que apenas religiosos que pertençam a alguma ordem ou igreja, com "comprovação eclesiástica", teriam direito a usar véu, turbante, chapéu. A PGE considerou a norma inconstitucional, por configurar violação do princípio da isonomia. E estendeu o direito a qualquer pessoa, independentemente de comprovação. "Meu RG é uma conquista minha. Minha identidade é o meu turbante. Depois que saiu o parecer, é uma conquista de todos", afirma Rogéria.
Passaporte.
A Polícia Federal informou que para emissão de passaporte cabe ao agente a avaliação sobre o documento de identidade apresentado. Se a foto for considerada antiga, ou desgastada, ou se ainda o agente avaliar que não é possível identificar a fisionomia da pessoa, o documento pode ser recusado. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo..