Nas últimas três semanas, a reportagem conversou com 23 motoristas do serviço - a maioria sob condição de anonimato. Dezessete deles atuavam por mais de uma das quatro empresas autorizadas a operar em São Paulo. E 19 admitiram ter clientes que os chamam "por fora" do aplicativo. "Quando o passageiro puxa assunto, e eu encontro alguma brecha, acabo passando meu cartão com contatos pessoais e de WhatsApp", relata um deles, que dirige para o Uber há um ano e, no último semestre, também se cadastrou no Easy. Ele conta que costuma levar gente para o Guarujá por R$ 200. "Quando é por fora, posso tirar uns 20% do valor, já que o aplicativo me cobra 25%. Assim, é melhor para mim e também para o passageiro", diz.
Desde que se tornou motorista, há sete meses, o engenheiro civil Jair de Oliveira Junior, de 50 anos, mescla uma rotina de passageiros Uber e Cabify com atendimentos particulares.
"Geralmente a acompanho ao médico, aguardo a consulta, depois a levo ao supermercado. Ajudo a carregar as coisas, espero o tempo dela." A prestatividade de Oliveira acaba sempre rendendo outras indicações. "Tenho atendido idosos com problemas de saúde. Em alguns casos, são pessoas que não confiam nos aplicativos e preferem esse contato pessoal."
Motorista do Uber há cinco meses, um ex-vidraceiro que mora em Taboão da Serra, na região metropolitana, incorporou à rotina um trabalho voluntário que já fazia há um ano: levar um vizinho, deficiente visual, ao tratamento médico semanal que faz no Hospital das Clínicas, no bairro paulistano de Cerqueira César. "São 18 quilômetros. Pelo Uber, custaria uns R$ 60 só a ida. Eu cobra R$ 40 ida e volta, todas as sextas", afirma o motorista.
Situação parecida é a de outro motorista, um ex-metalúrgico que mora no Grajaú, na zona sul de São Paulo. Todos os domingos, ele leva uma família vizinha a uma igreja evangélica a 5 quilômetros de sua casa. Fez um pacote em que cobra R$ 180 por mês, ida e volta, todos os domingos. "De vez em quando, eles também querem ir ao culto de quinta-feira. Aí não cobro nada a mais por isso, fica de brinde", conta. Ele também diz que costuma buscar amigos na balada, cobrando por fora.
O músico Luiz Fernando dos Santos Cardoso, de 29 anos, ficou sem carro por quase seis meses. Com shows em bares agendados - ele forma uma dupla chamada Kevin e Nando - praticamente todos os dias de quarta a domingo, passou a se locomover só de Uber.
No caso do aposentado Ednei da Silva Romeiro, de 68 anos, o jeitinho funciona na hora de ir ao médico. Ele mora em Perus, na zona norte, e a cada 15 dias tem consulta na Vila Mariana, na zona sul. "Minha filha já usava bastante isso de aplicativo e sugeriu encontrar alguém boa praça para fechar um pacote", diz. De táxi, ele costumava gastar R$ 110 por corrida. Agora, paga R$ 70.
Concorrência.
Motorista de Cabify e Uber há 11 meses, uma ex-secretária mostrou para a reportagem um grupo de WhatsApp do qual ela participa só para conseguir serviços de transporte "por fora". Até então já eram 28 motoristas cadastrados e um "operador".
"Eles estão montando um concorrente da Uber", exagera ela. Funciona assim: ao fechar uma corrida feita por um dos aplicativos, o motorista que pertence ao grupo envia a localização de onde está. "Se houver algum pedido de transporte da região, eles mandam a mensagem com o endereço", conta ela, que pediu para não ter o nome do grupo revelado e não permitiu que a reportagem fotografasse a tela de seu celular.
Uso de plataforma oficial dá segurança, dizem empresas
As quatro empresas consultadas pela reportagem - Uber, Cabify, Easy e 99 - afirmaram que os motoristas são livres e autônomos para realizar outros serviços que quiserem.
Para Maurício Januzzi, da Comissão de Direito Viário da Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB-SP), o serviço "é irregular". De acordo com ele, a legislação federal prevê o transporte individual remunerado de passageiros como atividade privativa de taxistas. Quem oferece a corrida por fora também não pode ser classificado como motorista particular contratado com exclusividade. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo..